Chega!
Não desisto. Mas vou fazer uma pausa. A partir de hoje, e por tempo indeterminado, escreverei apenas sobre futilidades do futebol: jogadores, treinadores, jogos, golos, sucessos e insucessos, defesas impossíveis e remates surpreendentes.
Assumo que não tenho estudos para analisar em profundidade os mais importantes temas da atualidade do futebol, mais a moral ou a falta dela de quem se julga no pleno direito de atirar sempre a primeira pedra, escondendo evidentemente a mão.
Dirão os mais desatentos que escapo dos problemas. Não é verdade. Sempre escrevi sobre tudo o que me dita a consciência. Sobre emails ou alegadas toupeiras, sobre a generalizada vergonha que constitui um conjunto de práticas infelizmente bem comuns na sociedade portuguesa desde que assentou a poeira de um certo 25 de Abril - a cunha, a pressão, o tráfico de influências, a corrupção, efetiva ou apenas moral, o incompetente exercício da autoridade, e, sobretudo, o defeituoso exercício, e o abuso, do poder.
Há muito que também escrevo sobre pressões, domínio, sistemas, controlos, ou apitos mais ou menos dourados. Eu e muitos outros jornalistas que não esquecem como, por exemplo, se construíram no futebol alguns dos poderes consolidados nas décadas de 80 e 90, e como eles foram importantes para dar, depois, corpo aos sucessos (até os merecidos) de uns mais a norte, e dar corpo aos insucessos (até os amplamente justificados) de outros, mais a sul.
Não se trata de fugir às questões: mas não será assim tão difícil concluir que os emails e as toupeiras de hoje não serão, infelizmente, mais do que práticas e influências de antigamente, apenas adaptadas, nalguns casos de forma até muito amadora, reconheça-se, a mais modernos meios, agora à disposição da nossa tão vulgar e comum chico espertice.
Antes ou agora, não há uma forma errada de olhar para tudo isto: é inaceitável tudo o que finta a transparência, o que mina a confiança e o que destrói a credibilidade. É inaceitável e deve ser erradicado do futebol, como é obviamente inaceitável também na política, no mundo da finança ou empresarial. É inaceitável e ponto final!
OBenfica tornou-se, hoje, apenas o clube mais exposto por um conjunto de denúncias que não julgou possíveis à luz da uma alegada fortaleza informática. Como sempre, esperamos pela conclusão das investigações. Mas o espírito de algumas das práticas reveladas, de maus hábitos criados ou de falinhas mais ou menos mansas, não pode evidentemente deixar de ser altamente criticável. E muito condenável! As práticas, as presumíveis intenções, a mania das grandezas, os alegados abusos de poder e o sempre insuportável cheio a tráfico de influências. Em qualquer lugar, seja com quem for.
Apesar de tudo isso, o que ninguém pode aceitar é que se tape o sol com a peneira, como se todo o mal tivesse apenas um universo, um rosto e uma cor.
Sejamos, pelo menos, sensatos. O futebol em Portugal nunca foi propriamente um mundo de virtudes. E não tenhamos ilusões: o que sempre moveu os mais poderosos não foi o desenvolvimento saudável da indústria em que o futebol se tornou; o que os move é ganhar! E ganhar, no futebol português, parece infelizmente ficar sempre associado a um preço.
Que fique claro: não desisto. Apenas faço uma pausa. Durante um tempo, mesmo sabendo de como são importantes, não vou querer saber da hipocrisia, imoralidade, vergonha ou incongruência de dirigentes, da controvérsia danada em torno do já famigerado VAR (videoárbitro para os mais distraídos), que ainda agora apareceu e tanta alucinação já provoca, nem vou querer saber da gritante e inqualificável falta de qualificação de árbitros que não sendo árbitros se armam em árbitros de gabinete, e de árbitros que sendo árbitros parecem cada vez menos capazes de ser árbitros no campo ou no vídeo.
Não vou querer saber de relatórios e contas, de passivos escondidos ou gestões danosas, clubes intervencionados ou perdões de dívidas, investimentos descontrolados ou estratégias desportivas mal calculadas.
Não vou querer saber de empréstimos obrigacionistas ou das VMOC, de vendas ou propostas de compra. E muto menos vou dar ouvidos à gritaria que por aí se torna cada vez mais ensurdecedora. Os associados dos clubes que tomem conta dos dirigentes que elegem.
Pelo futebol, tenho pena. Já se confundem debates com julgamentos populares e comentários com autênticos tribunais do vídeo. Já quase se ouviu de tudo. E se viu de tudo. Não há paciência.
Alguma vez imaginei possível, por exemplo, ver o pai do presidente de um clube grande (no caso, um clube tão grande como é o Sporting) ter o desplante - no mínimo improvável sem o acordo do filho presidente - de escrever nas redes sociais contra o próprio treinador do clube, terminando com a inqualificável pergunta [para que a equipa possa ter o que o pai do tal presidente considera outro nível…]: «Será necessário aumentar o salário do treinador?»
Alguém já tinha visto adeptos de um clube grande (no caso, um clube tão grande como é o Sporting) atreverem-se a despejar sobre a área do guarda-redes da equipa que defendem aquele infernal fogo de artifício mais uma razoável quantidade de objetos não identificados?
Eu nunca tinha visto, confesso.
E julgo que deve preocupar toda a gente o ponto a que se está a chegar.
Como acreditar nos dirigentes?
E como confiar nos árbitros?
E como controlar o estado emocional de jogadores e treinadores?
Isto está tão descontrolado que assusta. E já nem é a falta de bom senso que preocupa. São outras coisas bem mais graves, que a falta de bom senso costuma incendiar.
Um caos!
Por mim, deixo uma sugestão: suspenda-se o VAR, chegue-se a um contrato com os ingleses, entreguem-se os jogos da próxima época da Primeira Liga exclusivamente a árbitros e observadores britânicos, e obrigue-se o Estado português a participar no custo. E o que fazemos aos nossos?
Apliquem-se os melhores na Segunda Liga; diminua-se o número de equipas e imponha-se a transmissão televisiva de mais jogos dessa competição, aos finais de tarde de sexta-feira e manhãs de sábado e domingo. Para saberem que estão a ser vistos.
Quanto aos árbitros que restarem, requalifiquem-se os menos maus e emprestem-nos a quem precisar. Até se tornarem, porventura, melhores.
Julgam que estou a brincar?
Acham que solução é manter a coisa como está?
Com estas discussões?
E estes árbitros?
E mais estas decisões disciplinares, pressões, linguagem e escritos nas redes sociais? E provocações? E tensões?
Para cenários de exceção, medidas de exceção.
Não há volta a dar.
Mesmo que, no limite, seja preciso suspender tudo isto. E parar para pensar.
Se mudarem alguma coisa apenas para que tudo fique na mesma, então depois não se queixem.
E, já agora, assumam a responsabilidade!
PS: Falemos então de futebol. Passando por cima do que já muito se comentou, sobretudo, sobre as incidências do último Sporting-Benfica - e não vale a pena bater mais no ceguinho... - creio que vale a pena voltar a falar apenas do que se jogou para deixar registado duas ou três opiniões:
- que Raul Jiménez foi o melhor jogador em campo;
- que Rafa justifica (e dou o braço a torcer) maior injeção de confiança ainda, sobretudo porque se trata realmente de um jogador com características invulgares e muito importantes no futebol de hoje (a velocidade com bola é rara);
- que Rui Vitória acertou, finalmente, em cheio quanto a plano de jogo, opção de onze e estratégia;
- que Gelson voltou a exibir-se como a grande estrela leonina entre os chamados jogadores de campo, também porque Bruno Fernandes nunca foi capaz, desta vez, de se iluminar, sem esquecer, evidentemente, o portentoso estado exibicional a que chegou, de há muito a esta parte, esse fantástico guarda-redes em que se tornou Rui Patrício, justificadamente desejado lá fora como um dos atuais melhores guarda-redes do mundo. De momento, a seguir a Cristiano Ronaldo, Patrício é o melhor dos craques portugueses!