Cavani_ Foi melhor assim
EM tempo de crise generalizada, o Benfica conseguiu dar gás a uma novela em total contraciclo e que fez dele tema de notícia em todos os continentes. O interesse em contratar Cavani, a super-estrela uruguaia, atingiu dimensão universal, e essa gigantesca pretensão, associada à realização da final 8 da Liga dos Campeões da UEFA, que consagrou o futebol sério, leal e competente do Bayern de Munique, elevou Lisboa a capital do futebol mundial durante mais de um mês. Quanto é que isto representará em dinheiro?...
Segui o processo com curiosidade, naturalmente entusiasmado pela possibilidade de ver na Liga portuguesa um dos mais proeminentes avançados mundiais da atualidade e o que isso contribuiria para ampliar a sua visibilidade, à semelhança do que se verificou quando Iker Casillas se transferiu do Real Madrid para o FC Porto, mas, na semana passada, quando o jogador, em vez de terminar a viagem de regresso à Europa em Paris, foi estranhamente desviado para Ibiza, convenci-me que estava a assistir-se a uma artimanha negocial recorrentemente utilizada quando os empresários começam a comunicar por meias palavras e a entender mal o que lhes dizem, ganhando tempo e mantendo as portas abertas a todos os potenciais clientes no negócio.
Acredito que quando o processo se iniciou a posição do Benfica foi devidamente valorizada pelo representante de Cavani, mas a partir da altura em que, por vontade de uma das partes, ou de todas, sabe-se lá, o caso foi publicitado, a partir daí os telefones dos empresários não mais deixaram de tocar e o irmão/representante de Cavani partiu para a fase do leilão, à procura de quem estaria disposto a pagar mais.
OBenfica arriscou e o facto de ser o próprio Cavani a confirmar no seu país os contactos com o emblema português é prova inequívoca de que lhe reconheceu crédito bastante para ouvir a sua proposta. E fê-lo com à vontade e boa disposição, numa tradução clara de que o emblema da águia poderia ser uma boa casa de acolhimento, não se desse o caso de concorrentes mais abastados terem acenado ao seu irmão Walter, e este, em nome dos superiores interesses do agregado, que parece ser muito difícil de contentar, optar por seguir o rasto do dinheiro. Como não foi a primeira vez que assim procedeu, Luís Filipe Vieira, percebendo as intenções dúbias do interlocutor, decidiu encerrar o assunto. É o que consta, porque da voz do presidente encarnado nada se ouviu.
Cavani era um trunfo valiosíssimo em ano eleitoral, mas há limites para tudo. Foi melhor assim. Não está em causa o valor do jogador, mas, a caminho dos 34 anos, o risco seria demasiado. Além da enormidade dos valores exigidos, não comportáveis por um mercado periférico. No entanto, a sua contratação poderia abrir portas de novos mercados e gerar mais receitas, seguramente, mas seria sempre uma aposta louca que um campeonato, ou dois ou até três, explicariam mal, a não ser um título europeu, como é óbvio.
Por outro lado, o Benfica não deve cair na tentação de namorar Cavanis à beira da reforma com promessas de milhões que não possui, em vez de investir na sua juventude para descobrir, educar e fazer crescer talentos que lhe permitam, como até há trinta anos, formar equipas que cheguem às finais dos Campeões Europeus. E que as ganhem, como na década de sessenta.
Passámos um mês bem animado, valha-nos isso, mas dentro de três semanas o Benfica tem o primeiro compromisso europeu decisivo, em termos desportivos e financeiros. Não pode falhar. Helton Leite, Gilberto, Pedrinho, Vertonghen, Everton e Waldschmidt são os novos contratados, e mais alguns se anunciam, mas a casa continua por arrumar, na medida em que ainda não saiu ninguém e tanto quanto julgo saber o treinador já indicou os nomes que não contam e os que ainda lhe suscitam dúvidas, provavelmente na dependência de quem poderá chegar. Tudo bem, mas o tempo urge e quanto mais depressa a situação ficar estabilizada, mais depressa o treinador poderá concentrar-se no que é essencial, a construção de uma equipa forte e ambiciosa para atacar a próxima época.
Confidenciou-me uma fonte que não está fácil encontrar saídas razoáveis para os dispensados. O que surpreende é como alguns tiveram aprovação para entrar. Mas isso são contas de outro rosário: se 2020 assinala o início de novo ciclo, convém transmitir aos adeptos a confiança que os faça acreditar nessa convicta vontade de mudança, com sentido de futuro e sem espezinhar as raízes do projeto.
Nota final - O Benfica conseguiu, pela terceira vez, a presença na final da Youth League, espécie de Champions dos mais novos, título que o FC Porto conquistou na época transata. Luís Filipe Vieira vai estar hoje na Suíça, para assistir ao jogo, acompanhado de Rui Costa. O caminho por ele escolhido está certo, mas ainda não encontrou quem o ajude a articular a formação com o quadro profissional, de forma a fixar e valorizar a qualidade que há dentro de casa em vez de comprar fora, muitas vezes pior e sempre mais caro.