Casa (quase) arrumada, desafios gigantescos
SERIA hipócrita da minha parte dizer que não senti a última AG do Sporting como um enorme alívio para o clube. A decisão de expulsar Bruno de Carvalho e Alexandre Godinho, que defendi e defendo, venceu com números avassaladores e, curiosamente, próximos daqueles que os demitiram da Direção e dos que confirmaram a sua suspensão. Poder-se-á, pois, pensar que o agora expulso ex-presidente é apoiado, ainda, por cerca de um terço dos votantes (ou dos votos registados, a relação não é assim muito diferente). Mas estou em crer que não. Porque entre os que não o queriam para presidente há (conheço casos) quem defendesse que a expulsão não devia acontecer. Por isso, a conclusão é que o ex-presidente tem o seu apoio diminuído.
Como muitos já disseram e eu subscrevo, a sua expulsão não significa o fim da sua assombração. Ontem mesmo, esteve no debate instrutório sobre o ataque à Academia de Alcochete (onde, aliás, foi advertido pelo juiz) e sabe-se como é perito em inverter responsabilidades ou atirá-las para cima de quem estiver à mão. É a tática desestabilizadora e demagógica que sempre usou. Ao mesmo tempo, nas redes sociais, lança-se o nome da sua irmã Alexandra Carvalho para ser a primeira mulher presidente do Sporting. Ou seja, se havia quem lhe chamasse ‘Pequeno Líder’, por analogia à dinastia da Coreia do Norte, estes passos parecem confirmar que há quem queira uma autêntica dinastia. Mas passemos adiante e fechemos esta porta, pois para isso mesmo se deslocaram os sócios à AG de sábado passado.
Prevenir e não remediar
UMA das táticas de quem chega ao poder, e lá se quer manter a todo o custo, é alterar as regras preexistentes. Na política há milhares de exemplos, desde os europeus, como Orban, aos de outras partes do mundo onde as eleições pura e simplesmente acabam. No futebol esse truque é muitas vezes usado. E foi-o pela direção anterior que estatutariamente juntou numa única lista a Direção e o Conselho Fiscal e Disciplinar, cuidando de minorar o escrutínio sobre a sua ação. Mudou os estatutos, tornando-os aparentemente mais rigorosos, mas sobretudo mais repressivos para aqueles que ponham em causa os dirigentes. Bruno de Carvalho só em pequena parte provou do seu próprio veneno. Os insultos constantes aos dirigentes, o seu modo de estar provocador nem sequer foram levados muito em conta na acusação que lhe fez - e bem - o Conselho Fiscal e Disciplinar.
Por estas e outras razões, sempre defendi - inclusive perante os membros do atual CFD - uma alteração aos estatutos. Com agrado vi Rogério Alves, presidente da Mesa da AG, falar nesse assunto. Não que seja um modo de ganharmos campeonatos ou garantirmos uma boa equipa. Mas porque devemos garantir que episódios do passado não se repetem. O último ano foi demasiado duro, em termos emocionais para os sportinguistas. O desejo de estabilidade, penso, é quase unânime. E por isso, tudo o que fizermos na frente interna para prevenir a estabilidade - que essa sim, nos ajuda desportivamente - é melhor do que remediar, como andámos a fazer nos últimos 12 meses.
Um Sporting popular, não populista
PENSO que a grande maioria dos sócios do Sporting querem um clube que seja cada vez mais forte e mais popular. Que leve atrás de si multidões, não só no futebol, como também nas imensas modalidades em que o clube está envolvido. Mas isso é diferente do clube populista que andava a ser congeminado. Desde logo a célebre questão de cada sócio ter apenas um voto, independentemente da antiguidade. Ouvi sócios defenderem essa ideia afincadamente. Um deles, por exemplo, foi o deputado Hélder Amaral, do CDS. É boa altura para explicar a esses sócios que os mais antigos devem ter mais votos e que a progressão do número de votos de acordo com os anos que ininterruptamente se leva de sócio faz todo o sentido. Não só porque a ideia de cada um ter um voto é próprio da democracia política (por razões que são subjacentes à própria ideia de polis, de igualdade absoluta de todos), não fazendo qualquer sentido em sociedades, onde cada sócio vota de acordo com as ações ou a quota que detém. Ora, uma associação desportiva, um clube, não é nem uma associação política nem uma sociedade comercial. Por isso mesmo, a sua capacidade eleitoral não pode ser absolutamente igualitária, nem consoante o que detém do clube (essa distinção fica para as SAD, onde no caso do Sporting é o clube, no seu conjunto, o acionista maioritário). Assim, os sócios que emocionalmente há mais tempo investiram no clube (mas também monetariamente, pois pagaram quotas durante muito mais tempo) deverão ter mais votos. A ideia de cada sócio ter um voto é uma forma de controlar facilmente um clube em pouco tempo. O sistema que existe no Sporting torna essa avidez de controlo quase impossível, como aliás se tem visto.
Mas, voltando às questões estatutárias, há as referidas por Rogério Alves como anacrónicas: a leitura de atas, por exemplo, uma vez que quem aprova ou rejeita uma ata pode não ter estado na AG a que a mesma diz respeito (no limite todos os que se pronunciam sobre a ata podem não ter estado na AG anterior); ou o recurso para AG das sanções aplicadas pelo CFD, que torna possível a umas centenas de sócios inverter uma decisão de um órgão eleito por milhares (as AGs começam com qualquer número presente meia depois da hora da convocatória). Concordo em absoluto com o presidente da MAG. Porém, há do meu ponto de vista, muito mais a levar em conta. A alteração de uns estatutos, que em muito são populistas, anacrónicos e até ilegais, não sendo um ponto urgente, deve começar-se a discutir e a consensualizá-lo, tentando justamente cumprir o que a lista vencedora prometeu: Unir o Sporting.
No fim, o que conta
DEIXO, propositadamente, para o fim aquilo que mais motiva os adeptos. O futebol. Com que equipa ficaremos? Que valem, verdadeiramente, alguns jogadores comprados ou cedidos? Eis o que começámos ontem a ver, embora o jogo contra o Rapperswil-Jona, equipa da III Divisão suíça, treinada por um português, não seja de modo a tirar grandes conclusões (embora de início entrassem num 4x2x3x1 as novidades Nuno Mendes e Thierry Correia, das escolas, e os já formados Luís Neto, vindo do Zenit, e Vietto, do Fulham, via Atlético de Madrid)… Já no sábado, contra o St. Gallen, clube com 140 anos e que já foi campeão suíço (a última vez em 2000) e que anda agora pela Liga Europa sem grande sucesso, pode dar indicações. E mais ainda darão o Clube Brugge, o Liverpool (jogo em Nova Iorque) e o Valência que será o primeiro em Alvalade no Troféu 5 Violinos.
Porém, enquanto a situação de Bruno Fernandes, que também alinhou ontem, não estiver resolvida dificilmente saberemos com o que contamos. Para já, a espécie de acordo que Varandas conseguiu com o Manchester City parece algo positivo, mas ainda há muito para ver. Tenhamos fé no otimismo de Renan e na confiança de Keizer. E também naquela velha superstição que ao 18.º ano ganhamos nós o campeonato, Eu sei que não há nada menos racional, mas calhava-nos mesmo bem.