Caprichos
A propósito do sensacional guarda-redes que é Diogo Costa
N ÃO sei, nem o engenheiro Fernando Santos alguma vez o explicou abertamente, por que razão Diogo Costa surgiu como titular da Seleção no jogo com a Turquia, em março deste ano, de qualificação para o Campeonato do Mundo. Os treinadores, aliás, têm o (bom) hábito de reclamarem que se fale de futebol e que os jornalistas façam perguntas sobre futebol, mas quando são confrontados sobre futebol e com perguntas sobre futebol, os mesmos treinadores (o engenheiro Fernando Santos naturalmente incluído) têm o (mau) hábito de fugir, muitas vezes, com o rabo à seringa.
Porque escolheu Diogo Costa?, perguntou-se ao selecionador no Estádio do Dragão, no final dessa partida com a Turquia, em março, que Portugal venceu por 3-1.
«Foi opção!», respondeu o engenheiro Fernando Santos, tornando inviável qualquer conversa mais sobre o assunto.
Não posso deixar de lamentar que assim seja, mas é o que temos no futebol português, com uma imprensa (na que me incluo, naturalmente) que é, de um modo geral, bem simpática para treinadores, jogadores e afins, ao contrário do que alguns treinadores, jogadores e afins querem, por vezes, fazer crer.
Mais um exemplo? Ai do guarda-redes do Benfica, Odysseas Vlachodimos, se jogasse na Liga espanhola ou na Liga italiana há quatro ou cinco anos e surgisse numa conferência de imprensa a falar inglês!... Em Espanha ou em Itália, estaria já a falar espanhol ou italiano, tenho absoluta certeza, e se não estivesse, estava condenado. Por cá, somos tão delicadamente simpáticos que Vlachodimos nem sentirá qualquer preocupação com isso, como continua a não sentir o espanhol Grimaldo, com anos suficientes de Benfica para conseguir dizer, pelo menos, obrigado, e nem isso diz, mesmo sabendo o que acontece no país dele, onde toda a gente é realmente obrigada a falar a língua de Cervantes…
Somos, regra geral, na comunicação social portuguesa (na que me incluo, naturalmente), quase sempre tão delicadamente simpáticos e cordiais com os agentes do futebol, que assistimos, por exemplo, na primeira fila da plateia e sem levantar grandes ondas, ao processo da Federação Portuguesa de Futebol (entidade com estatuto de utilidade pública) fazer um contrato com um selecionador através de uma empresa do selecionador (para que todos pagassem menos impostos), o que, mesmo podendo não ser ilegal (as autoridades que regulem, fiscalizem e punam o que for de punir), seria sempre, no mínimo, imoral.
Habituei-me a ver o engenheiro Fernando Santos como um homem bom, correto, de caráter, tenho, há muitos anos, a melhor das impressões da forma como se relaciona, especialmente depois de ter ido trabalhar para fora do País e perdido muito daquele seu ar circunspecto, formal, fechado, pouco sorridente e até muitas vezes azedo com que parecia defender-se de uma certa ‘atmosfera selvagem’ em que o futebol costumava mergulhar, com muito mais facilidade do que hoje, nas décadas de 80 e 90. Acontece que não são as minhas impressões que contam. O que conta é, realmente, a imoralidade do contrato que a Federação Portuguesa de Futebol levou o selecionador (com conhecimento e consentimento deste, naturalmente) a fazer, expondo a entidade e expondo o engenheiro Fernando Santos ao desnecessário escrutínio das autoridades tributárias e à confirmação das irregularidades fiscais já tornadas, entretanto, públicas.
Já estou a imaginar o falatório se o caso fosse no FC Porto, Sporting ou Benfica e imagino, também, se fosse nas barbas de imprensa como a espanhola, francesa ou italiana, para referir, apenas as mais próximas…
P OIS com as questões de futebol é, de quando em vez, mais ou menos a mesma coisa. Os treinadores dizem-se aborrecidos porque os jornalistas não querem falar de futebol e quando os jornalistas querem falar de futebol, exclamam respostas secas, indecifráveis e fechadas e recusam-se a falar de futebol sob clemência nossa, jornalistas, sobretudo quando lhes convém, a eles, treinadores, e quando as perguntas parecem ser (e só parecem, na maioria das vezes) um pouco mais… incómodas.
Terá sido o caso, em março, quando se quis saber por que razão o engenheiro Fernando Santos tinha escolhido Diogo Costa. Era difícil explicá-lo? Talvez não. Mas, pelos vistos, não convinha, talvez para não comprometer a relação com o habitual titular, Rui Patrício, e o habitual candidato a titular, o luso-francês Anthony Lopes, desaparecido, entretanto, da seleção, quem sabe, por não ter gostado nada de saber que, afinal, ele, número 2, passaria, por fim, a número 3!...
A GORA, bem, agora é fácil compreender a razão da escolha de Diogo Costa, e parabéns ao engenheiro Fernando Santos por ter compreendido antes de muitos de nós o que o treinador do FC Porto (parabéns, sobretudo, ao treinador do FC Porto) já tinha compreendido muito antes até do engenheiro Fernando Santos, o que também se explica, evidentemente, por trabalhar com ele e vê-lo nos treinos, ao contrário de nós, jornalistas, que não apenas não trabalhamos com os jogadores como raramente os vemos, a não ser nos jogos.
Ainda assim, sem querer, naturalmente, armar-me em treinador (sou observador, analista e crítico), lembro-me perfeitamente de ter escrito, em março, que não me tinha surpreendido a titularidade de Diogo Costa (nem a mim, nem, acredito, a muito boa gente) por já estar, naquela altura, num grande momento no FC Porto, apesar de ter reconhecido toda a qualidade de Anthony Lopes, que considerei, então, o melhor dos guarda-redes disponíveis para a seleção, conhecendo o que conhecemos do guarda-redes do Lyon, e tendo em conta o cenário que me pareceu mais difícil e menos consistente de Rui Patrício, o melhor guarda-redes português da geração dele, a quem Portugal fica a dever grandes e inesquecíveis momentos, mas, hoje, inevitavelmente, creio, atirado para a condição de suplente da seleção, por um Diogo Costa que defende realmente com a elegância e a agilidade felina dos seus 23 anos, mas também a classe, inteligência e maturidade como se tivesse já 27 ou 28, e a experiência dos que já chegaram aos 30 ou 32. Um caso muito especial, na verdade, o de Diogo Costa, como foram especiais, nos últimos tempos, no futebol português, os casos do brasileiro Ederson ou do esloveno Jan Oblak, ambos, hoje, com 29 anos, que se distinguiram em Portugal como hoje, claramente, se distingue o atual número 99 do FC Porto, sem qualquer sombra de dúvida, capaz de integrar a elite dos melhores do mundo na próxima década e meia.
Agora, sublinho, é mais fácil compreender a decisão do engenheiro Fernando Santos, e, sobretudo, do treinador do FC Porto, que teve, realmente, a coragem (sim, é preciso alguma coragem, além de sabedoria e conhecimento) para dar a baliza do FC Porto a um jovem, quando tinha, ali à mão de semear, um guarda-redes com a categoria do argentino Marchesín. É mais ou menos como fazer o Totobola à segunda-feira... Hoje, todos seríamos capazes de antever a qualidade de Diogo Costa, depois de já ter mostrado o que mostrou e deixado a Europa do futebol de boca aberta com a qualidade das suas regulares exibições.
Não se trata apenas dos quatro penáltis (três válidos para a estatística) que acaba de defender em jogos consecutivos na Liga dos Campeões (um recorde); nem se trata de ter sido o primeiro guarda-redes a conseguir, no mesmo jogo da Champions (com o Leverkusen, 3-0 na Alemanha), defender uma grande penalidade e fazer assistência para um golo (de Galeno). Trata-se de tudo o que faz. Absolutamente tudo o que, em condições, evidentemente, normais, o levarão a ser dono e senhor da baliza do FC Porto até querer, e da seleção até o reumático o impedir.
V I jogar Vítor Damas e vi jogar Manuel Galrinho Bento. Mal ou bem (era o meu escrutínio), sempre vi Damas como um guarda-redes de inspiração e Bento como um guarda-redes de transpiração. Um nasceu para estar na baliza, o outro trabalhou por ela. Bento foi muito mais longe (na dimensão) do que Damas, mas Damas foi o melhor guarda-redes português que tive ainda o privilégio de ver jogar.
Impossível esquecer o que fizeram, entretanto, Vítor Baía e, sobretudo, depois, o que nos deu o fortíssimo Rui Patrício. Vi, ao vivo, a estreia dele na seleção, em novembro de 2010, na Luz, chamado a titular por Paulo Bento, num Portugal-Espanha particular que terminou com os portugueses a brindarem a então campeã do mundo por 4-0! E nunca mais esquecerei aquela defesa de Patrício, na final do Euro-2016, após o cabeceamento de Griezmann, seguramente uma das melhores defesas que vi em toda a minha vida de apaixonado pelo futebol. Não esquecerei nada disso. Mas o tempo agora é do jovem Diogo Costa, 23 anos, que, jogando o Mundial, será o mais jovem guarda-redes português de sempre a ser titular numa grande competição internacional, batendo Rui Patrício, que jogou a fase final do Euro-2012, com 24 anos.