Cântico verde!...

OPINIÃO26.05.201804:01

Todas as semanas me sento à secretária diante do computador para dar a minha opinião sobre as questões mais ou menos actuais ou pronunciar-me sobre acontecimentos pura e simplesmente. Estes, normalmente, não oferecem problemas de maior. O mesmo se não passa quando tenho que dar opinião sobre factos ou acontecimentos que assentam em convicções, ou, melhor dizendo, quando me falta convicção. Na verdade, se estou convicto de uma coisa não tenho dificuldade em exprimi-la. Deito-a cá para fora, frontalmente e sem tibiezas, enfrento a questão. Posso estar errado, mas sou, em primeiro lugar, honesto para comigo próprio: não tenho que ter vergonha de exprimir as minhas convicções!

O pior é quando me falta a convicção para seguir um caminho. Isto deprime-me e desmoraliza-me, porque não gosto de sentir em mim, aquilo que critico a outros - serem pessoas sem convicções. E é justamente isso o problema que enfrento neste momento, relativamente ao meu Sporting, como diria o Eduardo Barroso. Encontro sempre a convicção sobre os superiores interesses do Sporting, mas tenho de confessar que tenho as maiores dúvidas sobre o bom caminho e uma quase certeza sobre o rumo que não quero.

Estou como José Régio, no seu poema/manifesto ‘Cântico  Negro’, e, pese embora o meu ser verde, parece igualmente nascido do amor que há entre Deus e o Diabo:

«Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: ‘vem por aqui’!

A minha vida é um vendaval que se soltou,

É uma onda que se alevantou,

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

Sei que não vou por aí! »

Neste momento, sei que não queria ir por aí, não sei por onde vai o Sporting, não sei para onde vai o Sporting!...

Em 2011, com a demissão de José Eduardo Bettencourt ao fim de dois anos de mandato, houve novas eleições. Era o Presidente da Assembleia Geral e tive mais um apelo para me candidatar do que propriamente motivação. Motivação tinha eu, em 2009, quando Soares Franco não se recandidatou. E estive mesmo para ser candidato, não obstante as ameaças físicas, que aliás se concretizaram. Alguns ainda se devem lembrar que fui pelas escadas abaixo do então meu escritório, com a ameaça de que, da próxima vez, seria pela janela! Não foi por esse facto que não me candidatei, mas porque alguns apoios que eu considerava indispensáveis mudaram a sua decisão. Na verdade, muitos sabem e alguns assistiram, que houve uma reunião num hotel de Lisboa com várias pessoas, numa segunda - feira, dia em que eu tinha o programa ‘O Dia Seguinte. A reunião começou antes de eu ir para a SIC - e eu era o candidato - e, quando voltei, o candidato apoiado era o José Eduardo Bettencourt. O meu primeiro impulso, no quente da revolta, foi manter a candidatura. Depois, mais sereno, entendi não ir por aí, pois não fazia sentido, a divisão dos sócios entre duas pessoas com visões e projectos não muito diferentes. Fui com ele, como Presidente da AG. Aprendi que há pessoas que querem mandar, mas não dão a cara pelo poder. Apenas manobram! Lembro-me da sentença de morte que José Eduardo Bettencourt leu a si próprio: não sou empregado do Banco Espírito Santo. Os resultados desportivos não ajudaram a esta proclamação de independência e a queda aconteceu, sem surpresas!

Godinho Lopes foi então o candidato da continuidade. E contra ele surgiram quatro candidatos que se lhe opunham: um que já antes fora opositor - Sérgio Abrantes Mendes; Pedro Baltazar e eu, e Bruno de Carvalho, um jovem até então desconhecido, que diziam oriundo das claques. Coloquei-me entre Godinho Lopes - sabia que não ia por aí - e Bruno Carvalho, por não saber por onde ia. Eu sabia para onde ia, e com quem ia! Contudo, muito por influência da comunicação social, criou-se uma situação de bipolarização entre aqueles. Muitos apoiantes meus fugiram para os dois polos, e a minha votação situou-se na metade de cada um dos dois, que ficaram muito perto. Não vou agora recordar o que se passou naquelas eleições, mas não deixo de lembrar que Godinho Lopes foi presidente contra a maioria dos sócios do Sporting. Conclusão: ao fim de dois anos, assembleia para a destituição. Godinho Lopes não foi por aí e demitiu-se!

Couceiro e Bruno de Carvalho foram então a votos. Não fui por nenhum dos dois, porque eu próprio não sabia para onde ia, se fosse candidato. Não conhecia o desastre em toda a sua extensão. Sabia que não ia por aí...

Bruno de Carvalho ganhou as eleições e fez um mandato sem grandes reparos quanto à substância. Pelo contrário, cumpriu todo ou quase todo o seu programa de candidatura e até o excedeu, como, por exemplo, e se a memória não falha, a construção do Pavilhão João Rocha. As minhas críticas situaram-se no campo da forma e no estilo de comunicar, para além de entender que comprou guerras desnecessárias, sobretudo, internas.

Perante o cenário das eleições de 2017, disse e repeti várias vezes que o Sporting não precisava de mudar de Presidente, mas Bruno de Carvalho precisava de mudar algumas coisas e em algumas coisas. Por isso, cerca de noventa por cento o reelegeram para novo mandato. Pareceu que mudaria, mas não mudou. E disse mesmo que não mudava. O rumo certo tornou-se incerto. Os últimos meses foram de grande decepção, que começou nos apoiantes mais críticos e acabou nos incondicionais.

Todos conhecem o resto. Não vale a pena repisar, procurar e condenar culpados. Nem vale a pena pensar que nos próximos dias se vão sarar as feridas abertas, antes vamos escarafuncha-las ainda mais. Está aberta a luta pelo poder e não há nada no mundo mais cobiçado como é o poder. Não há uma donzela que tenha mais pretendentes, nem manjar que aguce mais o apetite!

Temo o pior até à assembleia e na assembleia, se a mesma se realizar. Apagado o sentimento de piedade, que distingue o homem do bruto, desfeitos os princípios e as regras como bolas de sabão tocadas pelo vento, tudo se vai resumir a uma questão de poder.

Tinha esperança numa solução de consenso que, reconheço não era fácil, para salvaguardar os superiores interesses do Sporting. E é esta a minha questão, e a questão que interessa: os superiores interesses do Sporting. E humildemente confesso que pesando as diversas questões que estão em causa, não sei o que dizer, não sei, para já, que caminhos apontar. Para já admito que os candidatos vão surgir na mesma proporção dos very-lights sobre Rui Patrício, um exemplo de reflexão espiritual a seguir! Todos precisamos dessa reflexão, e era bom que todos fizessem um retiro espiritual com o Sporting no pensamento...

E fico-me por aqui, numa primeira reflexão amargurada sobre o meu cântico verde: não sei por onde vou; não sei para onde vou; sei que não vou pelo presente, nem quero voltar ao passado!