Calma, nós vamos ganhar!
Manuel Fernandes, hoje, por uma vez, peço-te emprestada a tua braçadeira de capitão e, da melhor maneira que sei, vou tentar imitar-te
Estávamos no sprint final da época. O título já só se discutia com os nossos rivais do Norte, comandados pelo mestre Pedroto. Eram apenas três os jogos que tínhamos de vencer para conquistar um título que no princípio ninguém acreditava que fosse possível.
O adversário dessa tarde de domingo soalheiro estava na parte baixa da tabela pelo que o favoritismo pendia claramente para nós. O estádio de Alvalade, lotado, vibrava na tão verde esperança da glória. Afinal, só restavam três desafios, três obstáculos.
E se os nossos adeptos confiavam, afinal a equipa tinha chegado até ali na liderança, o nosso nervosismo estava em níveis máximos. A responsabilidade, a obrigação de ganhar aquele jogo contra uma equipa menos cotada era como que um peso adicional em cima das nossas camisolas.
Depois de uma primeira parte, pese a insistência atacante, sem golos, deu-se início aos derradeiros 45’. A equipa adversária, determinada, dura, mas leal, fechava todos os caminhos da sua baliza. Cada tentativa de furar aquela barreira revelava-se infrutífera. Os nossos adeptos irmanados no querer não cessavam o apoio. Os minutos voavam e o tão desejado golo não acontecia. E à medida que o relógio corria, a nossa ansiedade inibia-nos, travava-nos a inspiração, a audácia, o raciocínio rápido para vencermos os, cada vez mais, inultrapassáveis adversários daquela tarde.
E foi quando, no estertor de angústia que estávamos a sentir, o nosso capitão, elevando a voz para além do rugido da multidão, clamou: «TENHAM CALMA, NÓS VAMOS GANHAR!»
Naquele instante pareceu que o mundo, o barulho do estádio, a respiração ofegante, a tensão geral, nossa e da multidão, sofreu um apagão. Aquelas palavras, qual milagre extra terreno, oxigenaram-nos, deram-nos asas, até a bola, até aí impertinente, se associou à ânsia de vencermos, de ganharmos, de sermos campeões. E os golos, que até aí teimavam em não colaborar, apareceram. E o estádio qual vulcão explodiu na alegria, feita de cantos da glória.
Depois disso, tantos episódios, abraços fraternos, lágrimas de alegria ou de desalento, próprios de uma amizade que vai muito para além das notícias dos jornais ou das entrevistas glorificadoras.
Como numa noite, algures num dos famosos estágios na Bulgária, onde me interrompeste uma noite mal dormida, para chorares a tua partida para uma operação à pubalgia, flagelo, à época, dos futebolistas. Ou a digressão a Angola, ainda com resquícios da guerra, o temor que sentimos ao ouvirmos o tiroteio das metralhadoras
Pelo meio, jogadas magistrais, tantos golos de bola cortada exímios, raros de um talento imenso. Ou os teus 4 golos no histórico 7-1. Dessas proezas, terrenas, outros falarão com mais e melhor prosa.
E o último jogo em S. Miguel, eras o treinador do Santa Clara, que precisavas de ganhar para cometer a proeza de um clube dos Açores subir pela primeira vez à I Liga. E na bancada, eufóricos com a tua proeza, eu e o eterno Rui Jordão a vibrarmos fraternalmente.
A vida, nem sempre nos corre de feição. Também te vi a chorar na cabina, após um jogo menos conseguido, desgostoso pela incompreensão dos adeptos insensíveis mesmo perante os sobredotados. Mas, grande, como sempre, não deixaste de dar a resposta devida para reconhecimento e gáudio das multidões que te idolatram.
Agora, é tempo de cabelos brancos, de filhos e netos. De recordar, viver o presente e projetar um futuro sonhado. A tua integridade feita da humildade que sempre te engrandeceu, é própria de um líder natural admirado e amado. Somos todos teus adeptos. E não importam as cores. Verdes, Azuis, Vermelhas, Amarelas, Pretas ou Brancas. Este é o momento em que em comum partilhamos o que nos deste: valores, sentimentos e emoção.
Hoje, por uma vez, peço-te emprestada a tua braçadeira de capitão e, da melhor maneira que sei, vou tentar imitar-te. E, nessa vontade indómita estou certo que estarei acompanhado por Portugal inteiro, de aqui e de além, para bem alto clamarmos:
CALMA, MANEL, TU, NÓS, VAMOS GANHAR!