Bruno Fernandes faz-me pensar!...

OPINIÃO27.07.201901:11

Adepto diz-se de alguém que apoia uma causa ou uma certa maneira de agir ou pensar. Mas aplica-se a expressão adeptos, mais correntemente, para qualificar os apoiantes do futebol (ou outra modalidade desportiva), da seleção nacional ou de um clube desportivo.
Os espanhóis também usam a palavra ‘adeptos’ com o mesmo significado, mas também utilizam a expressão «aficionados», embora em Espanha, como em Portugal, esta expressão esteja mais ligada à tauromaquia, isto é, para designar que ou quem é amante de touradas.
Também se usa a expressão fã, do inglês fan, para uma pessoa que admira muito alguma coisa ou alguma pessoa, geralmente um artista ou outra figura popular. Existem mesmo grupos organizados de admiradores ou apoiantes de figuras célebres, designadamente, na área do espectáculo ou do desporto - os chamados clubes de fãs!...
Os italianos usam a mundialmente conhecida expressão «tifosi» para designar os adeptos do futebol - «tifosi di calcio»!
No Brasil usa-se muito, designadamente, no futebol a expressão «torcedores» que tem o mesmo significado, isto é, aqueles que gostam e torcem por esta modalidade, por um clube ou pela seleção nacional, podendo apresentar-se também de forma individual ou organizada.
Resumindo, as qualificações de adeptos, aficionados, fans, torcedores ou tifosi relativamente aos clubes, sociedades anónimas ou sociedades anónimas desportivas traduzem a relação afectiva existente entre eles. A explicação para se apoiar, gostar e mesmo amar, e viver com paixão essas associações ou essas sociedades, que têm equipas de futebol, não é racional, isto é, não se concebe pela razão. É uma relação sentimental, afectiva, emotiva, cuja origem às vezes se compreende, mas que também muitas vezes é incompreensível!...
Esta relação de afectividade pode ou não conduzir a uma relação jurídica com o clube ou com a sociedade anónima. A constituição da relação jurídica com o clube ou a sociedade anónima tem como fundamento múltiplos e variados motivos. Não são os motivos que importa agora escalpelizar, mas antes entrar na discussão séria sobre quem deve deter a maioria do capital nas sociedades anónimas desportivas, designadamente, naquelas que resultaram da personalização jurídica das suas equipas de futebol, como é o caso dos principais clubes portugueses, isto é, do Sporting, do Benfica e do Porto, sendo certo que, relativamente a estes dois últimos, pouco me importam as suas opções, ainda que pense que, mais depressa do que se julga, as irão fazer.
Em Portugal quer-se fazer crer que a maioria dos sócios dos clubes não quer perder o estatuto de donos do clube, isto é, de serem eles que tudo decidem e, não sendo assim, perde-se aquela paixão e amor, aquele entusiasmo pelo clube. Não querem por isso perder a maioria do capital da SAD, como se isso constituísse o fim do clube. Esquecem, porém, que o clube não é apenas dos seus milhares de sócios, como resulta da sua natureza jurídica, mas também daqueles que tem uma relação afectiva e que são alguns milhões, em todos os cantos do mundo. Para estes a sua relação afectiva não depende da natureza jurídica do clube, e querem é que o seu clube de alma e coração seja bem gerido e tenha sucesso desportivo, coisas que obviamente têm de andar ligadas.
Apesar disso, de acordo com o decreto-Lei 67/97, os clubes não podiam ter uma participação directa nas SAD inferior a 15º, nem superior a 40%. Logo os clubes - e então poder-se-iam admitir alguns receios - se socorreram de formas indirectas que lhe assegurassem a maioria do capital. Posteriormente, com a entrada em vigor do Decreto - Lei 20/2013, de 25 de Janeiro, os clubes não podem ter uma participação inferior a 10%, não estando fixado qualquer limite máximo.
Os clubes ingleses nunca tiveram este problema, porque desde o final do século XIX que se constituíam como sociedades comerciais por acções ou por quotas, embora o seu objectivo inicial não fosse a obtenção de lucro. Alguém poderá dizer que o futebol inglês não tem adeptos fervorosos, apaixonados e amantes dos seus clubes, que não enchem os estádios porque lhes falta o entusiasmo de associados e que a Premier Ligue não é a mais vista e a mais competitiva das competições de futebol?
Também as sociedades anónimas são parte da cultura do futebol italiano e não existe qualquer problema das empresas serem financeira e economicamente donas dos clubes, pois historicamente esse sempre foi o modelo seguido, com notório sucesso!
Ainda que o tema que tenho andado a tratar seja o da governance do clube, aliás intimamente ligado ao modelo organizativo do clube e à sua natureza jurídica, hoje foi um assunto mais concreto que me trouxe a este debate das maiorias e minorias. Refiro-me ao Bruno Fernandes e à sua possível transferência para um clube estrangeiro, designadamente, para um clube inglês, e agora mais ainda, face à sua actuação em terras de Sua Majestade, e logo contra o campeão europeu de clubes, a merecer elogios do treinador deste.
Irrita-me profundamente ver os adeptos/comentadores dos outros clubes, com o apoio da comunicação social, empurrarem o Bruno Fernandes para fora do Sporting, com o argumento de que o clube precisa de vender, apresentando-se hipocritamente muito preocupados com a crise finaceira que ronda Alvalade.
Não sei se há crise ou não há crise. Sei porém que eles estão preocupados com a mais -valia desportiva que significa para o Sporting a manutenção de Bruno Fernandes. Não sei se o Sporting será ou não campeão com Bruno Fernandes, nem essa é a minha preocupação, mas sim o futuro a médio prazo do meu clube como venho dizendo. Neste aspecto estou de acordo com o Presidente que também não quer optar pela vitória já, mas seguida de mais uns anos sem ganhar como vem acontecendo. Isso significa que quer mudar o modelo - penso eu - e a manutenção de Bruno Fernandes pode ser um sinal. Sou dos que apoiam a manutenção de Bruno Fernandes ainda que isso implique alguns sacrifícios.
Mas é mesmo Bruno Fernandes que, neste momento, me faz pensar no modelo, e por isso o título desta crónica. É que eu não tenho inveja do amigo ou do vizinho, ou de um simples conhecido, que tem um Ferrari ou um Bentley, que eu não posso ter porque não tenho dinheiro para isso. Confesso, no entanto, que tenho inveja dos clubes, não portugueses, como é óbvio, mas estrangeiros, que têm dinheiro para me levar o Figo ou o Ronaldo, e agora um Bruno Fernandes, que não tendo sido formado em Alvalade, tem uma raça e uma personalidade que muitos ditos sportinguistas não têm, esquecendo o berço com facilidade!
Espero que o Bruno Fernandes - vá ou fique - leve todos os sportinguistas a pensar que o modelo tem de mudar. Tudo mudou e o Sporting, que sempre tem sido pioneiro, tem de mudar também, sob pena de ver o fosso alargado na Europa, e mesmo em Portugal. O Visconde de Alvalade mudaria o modelo, porque não mudaria o seu pensamento, que deve ser o nosso: «Queremos que o Sporting seja um grande Clube, tão grande como os maiores da Europa»!