Bola, a metáfora
És uma bola a viver, parada e triste, num estádio ermo e escuro, congelada no recanto do campo que é a vida. E mais: olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, como espelho de um céu do avesso, um céu sem estrelas, as estrelas que não podem ir beijar-te com os lábios nos pés: o Ronaldo, o Bernardo, o Bruno, o Pizzi (e outros que tais).
Olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, como rosto enrodilhado em filetes de agrura que são sombras no reverso que dá o luto ao verso, ao verso maldito de onde te tiraram o encanto e a flama do Pelé, do Eusébio, do Figo, do Zidane (e outros que tais). Olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, sem o espanto em tropelias do Garrincha, do Madjer, do Ronaldinho, do Quaresma (e outros que tais), a alma em ansiedade, a ruína a chamuscar-te, a chamuscar-nos.
Olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, como estátua a esfanicar-se em penáltis piores que os penáltis falhados do Zico, do Rossi, do Veloso (e outros que tais), nuvem de que se solta a tempestade que nos sobra. Olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, como lágrima por corpos que são gritos que se não ouvem, cobertos por lençóis brancos na hecatombe de todos os dias, sem que um Yashin, um Damas, um Baía, um Casillas (e outros que tais…) sejam capazes de os defender de desdita, que a desdita não teve, virulenta, defesa possível.
Olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, na ânsia do retorno às danças lascivas em que te puseram o Maradona, o Chalana, o Futre, o Messi (e outros que tais…) quando a dor ainda não andava a dar-se, a galope, aos corações magoados. Olho para ti assim - e vejo-te, parada e triste, como vulto amachucado (que somos todos nós) a cambalear pelo negrume das ruas desertas até ao desaguar por rios de amargor como os que levaram a Helena da Ilíada ao lamento:
- Zeus deu-nos destino infeliz para que mais tarde os homens nos cantassem…
e pergunto-me: quando poderemos cantar-te bola vivaz e fagueira de novo?