Balanço da memória!...

OPINIÃO04.01.202003:00

NOS meus últimos artigos orientei o meu pensamento e expressão relativamente ao futuro, que me preocupa, com base numa análise das origens deste clube, tentando buscar um rumo que a meu ver anda perdido. Vou hoje fazer um desvio a essa linha, porque, em final de ano e de década, é tempo de balanço.
Um balanço, antes de mais, no que respeita à SAD que, nestes últimos vinte anos, apenas teve duas vitórias no Campeonato Nacional, sendo que essas duas vitórias, e quatro segundos lugares, tiveram lugar na primeira década deste século XXI.
A década que ora termina fica marcada pela ausência de qualquer conquista da Liga Profissional e, sobretudo, pela tragédia de Alcochete, qualquer que seja a qualificação jurídica desses acontecimentos e as consequências que deles resultem para os que provadamente ou a provar tiveram neles intervenção. O Sporting Clube de Portugal foi sem dúvida o prejudicado e não será tão cedo ressarcido desses prejuízos se não definir um rumo para o futuro, em vez de estar constantemente a chorar sobre o leite derramado!


Já escrevi sobre isto, mas volto a insistir, que me irritam solenemente, os políticos, e outros que tais, que se candidatam livremente a lugares dirigentes, isto é, ninguém os obriga, e, depois de, em campanha eleitoral, terem soluções para tudo, quando atingem o poder, passam a vida a queixar-se da herança deixada pelos governantes passados (em sentido lato)!
Na verdade, no meu modesto entendimento, sempre entendi, entendo e continuarei a entender, que um homem, ou uma mulher, que se apresenta a exercer uma função pública ou a praticar actos públicos, tem a obrigação mental e moral de verificar se os seus ombros podem arcar com as responsabilidades correspondentes. Se alguém se apresenta voluntariamente a um acto eleitoral para ocupar um lugar que outrem ocupava e deixou ou vai deixar de ocupar, tem de ter a consciência do que vai encontrar de bom e de mal, para saber o que vai fazer para mudar o que está mal e manter ou melhorar o que está bem. Não pode apenas concorrer pela ânsia de protagonismo do que está bem, pondo de lado o que está mal, porque foi feito por outro que não ele. Quem age assim, ou é aventureiro ou é irresponsável, o que vem a dar no mesmo.


Talvez por deformação profissional, dou geralmente, como exemplo, as heranças, que são aliás um momento definidor do carácter das pessoas. Todos sabemos que uma herança tem um activo e um passivo, e que este, por vezes, é bem maior que aquele.
Neste caso, e de uma forma geral, não há qualquer qualquer problema, sobretudo, se o passivo for elevado e o activo não for compensador. Quando activo e passivo são elevados, todos sabemos que a fila para receber o activo está cheia e a destinada a pagar o passivo se encontra deserta. E todos também sabemos que todos gostariam de estar na fila do activo sem se preocupar com a fila do passivo!...
Não é assim na prática, isto é, quando morre alguém, a fila, para o activo e passivo da herança é única. Quem a quer receber, diz-se em linguagem jurídica, aceita-a; quem a não quer, na mesma linguagem, repudia-a. Como diz o povo não se pode «ter sol na eira e chuva no nabal» que o mesmo é dizer, que o herdeiro não pode aceitar o activo e repudiar o passivo!...


Quem faz um balanço não pode perder a memória se quiser fazer um balanço sério. Nenhum dos candidatos a presidente do Sporting poderia dizer que não sabia o que se tinha passado em Alcochete, tendo aliás tal acontecimento sido determinante na apresentação da candidatura do actual presidente, que, entre outras coisas, jogou o trunfo do mais capaz para evitar as rescisões ou fazer regressar os que rescindiram. Ouvi e li isto, ou estou a inventar?
Será pensamento enviesado ou corresponde à realidade achar que quem teve que aguentar o barco, bem ou mal, foi a Comissão de Gestão, que aliás elogiei quando tive que elogiar, e a quem teci duras críticas quando entendi que a devia criticar? Feito o balanço tenho que concluir que o trabalho, na circunstância, foi positivo, designadamente, no que respeita a Sousa Cintra e ao futebol! Será justo, recriminar Sousa Cintra por contratar José Peseiro, que aliás, com algum cinismo e uma excepção, todos aceitaram? Será possível recriminar Sousa Cintra por ter conseguido fazer regressar Bruno Fernandes e Bas Dost, mesmo que se tenha exagerado - e não sei se se exagerou - nos termos desse regresso? Mas alguém se sente com legitimidade ou autoridade moral para atirar pedras a Sousa Cintra por isso? Já pensaram bem o que seria o Sporting sem o Bas Dost e o Bruno Fernandes? Será possível alguém de boa fé afirmar que o Sporting ganharia os dois títulos que ganhou sem aqueles jogadores? Será possível alguém dizer que com Peseiro o Sporting não ganharia aquelas taças? É tão grave, como afirmar que com Peseiro seríamos campeões nacionais, e por isso critiquei Sousa Cintra!...


Então, como é possível, num balanço de 2019, falar num ano de reconstrução, designadamente, no que respeita à equipa de futebol? Reconstrução foi o que fez a Comissão de Gestão que foi quem teve de apanhar os cacos, não porque se tivesse candidatado a essa tarefa, mas porque a aceitou como missão! Essa sim, com os cacos que sobejaram e com os que conseguiu recuperar, deixou uma equipa, com um treinador e em lugar de que se poderia esperar alguma coisa!
Depois, o que se fez, foi mandar embora um treinador (para isso havia dinheiro) e mandar vir outro a anos de luz de José Peseiro - um treinador de marca branca, na expressiva e rigorosa expressão de José Pina -  que seria despedido alguns meses depois, ao mesmo tempo que não se construía uma equipa, antes se destruía, vendendo bons jogadores e pedindo emprestados jogadores que, na minha opinião, e de quem como eu que não percebe nada de futebol, não têm categoria para jogar na principal equipa do Sporting, ao contrário, se calhar, de alguma prata da casa!


Mas, ao fazer o balanço, o que mais me incomoda, é ver o responsável máximo afirmar que a «primeira vitória foi assegurar a salvação financeira do clube»! Mas por que é que isso me incomoda? Por ser verdade? Por ser mentira? Não! Nada disso! Simplesmente, não percebo!...


Na verdade, fala-se que o acordo de reestruturação financeira permitiu ao Sporting proceder à regularização de todas as suas obrigações pecuniárias vencidas, encontrando-se assim em cumprimento com as entidades bancárias pela primeira vez desde 2017. Sendo que, em 2017, o presidente era Bruno de Carvalho, é algo de positivo que o actual presidente atribui à gestão daquele, e que provavelmente  justifica a vitória retumbante nas eleições desse ano. Depois disso algo se terá passado no ano de 2018 que levou Bruno Carvalho a ter necessidade de dar inicio a um processo de reestruturação financeira, a meu ver, bastante bem concebido, mas, infelizmente, digo eu, deitado para o lixo, pela actual Direcção!...


A Comissão de Gestão conheceu-o, e, segundo informações, também o achava positivo, e por isso, durante o período eleitoral, não se mostrou muito preocupada com a situação financeira. Tal como o então candidato Varandas que, perante a alegada falência pelo candidato Ricciardi, dizia que este fazia terror sobre a situação financeira e que não era apenas este que tinha a solução, pois ele também tinha as suas soluções. Ricciardi respondia «passa a vida a dizer mentiras e é totalmente desconhecedor da situação financeira da SAD» !


É isto que não percebo, e tenho a humildade de pedir que me expliquem, por favor. Então o candidato Ricciardi, na perspectiva do candidato Varandas, fazia terror sobre a situação financeira; agora, como presidente, rasgou uma reestruturação financeira em finais de 2018, de alguém que, em 2017, estava em cumprimento, para, decorrido o ano de 2019, vir dizer que a primeira vitória foi assegurar a sobrevivência do Sporting!
Sei qual é a explicação: o burro sou eu!.. Fica por esclarecer se Ricciardi falou a verdade ou é um terrorista financeiro, e por que é que aquela reestruturação alinhavada pela Direcção destituída não assegurava a sobrevivência e a da actual assegurou, mas continuamos sem dinheiro. Uma coisa é evidente: o balanço contabilístico pode estar certo; o da memória tem de ser corrigido, porque está cheio de falhas!...