As lições de Glasgow e não só
1 - Tenho esta teoria há muito tempo: o futebol é um jogo simples que muitas vezes é desnecessariamente complicado pelos treinadores. No essencial, entendo que um bom treinador tem de ser alguém que sabe liderar e motivar um grupo, que tem qualidades de psicólogo e de líder e que, quando chega ao terreno de jogo, não complica o que é evidente, mesmo aos olhos dos amadores: quem são os melhores jogadores, em que posições devem jogar e qual deve ser o esquema de jogo da equipa - a tal identidade, que os treinadores tanto gostam de invocar. Ora, a esta luz, o jogo do FC Porto em Glasgow foi, em minha modesta opinião, um catálogo de tudo aquilo que um bom treinador não deve fazer. E eu considero Sérgio Conceição um bom treinador. Eis os seus erros de catálogo e… fatais.
Dois dias antes, em Lyon, e depois de ter anunciado que o Benfica se manteria fiel à sua identidade de jogo, Bruno Lage deu cabo dela, deixando no banco Pizzi e Seferovic: perdeu e fez um jogo humilhante. Em Glasgow, Sérgio Conceição fez exactamente o mesmo: enquanto que Steven Gerrard manteve tal qual a equipa que jogara quinze dias antes no Dragão, o treinador portista tirou três jogadores (Luis Díaz, Marega e Zé Luís), ao mesmo tempo que manteve quatro jogadores que vinham assinando sucessivas prestações de valor nulo (Uribe, Danilo, Corona e Soares), apenas para os ver repetir essa nulidade. Esta atitude já é clássica entre os treinadores portugueses: de cada vez que têm de enfrentar um jogo europeu mais complicado, eles deitam-se a pensar e a inventar, e adeus fidelidade à identidade da equipa: põem-na a jogar com jogadores não rotinados, com outros em papéis trocados e em esquemas de jogo estranhos.
Invariavelmente também, as alterações - melhor dizendo, as revoluções introduzidas - têm, como único sentido, reforçar a atitude defensiva da equipa e jamais a sua capacidade ofensiva. Tiram-se jogadores criativos e de ataque para no seu lugar meter outros de contenção e marcação. É uma mensagem clara e negativa passada para os que vão alinhar de início: «Cautela e caldos de galinha!»
Em Glasgow, num jogo que precisava de vencer, Sérgio Conceição montou uma equipa para tentar ganhar por 0-0. Obviamente, perdeu. No final, explicou: «Entrámos bem, com um plano interessante para bloquear os pontos fortes do opositor.» Esta explicação diz tudo sobre a falta de audácia do treinador portista e, por si só, explica cabalmente uma derrota tão justa quanto inevitável. Ele não quis apostar nos pontos fortes da sua equipa, ele quis apenas bloquear os do adversário: isso é que era para ele um plano interessante. Por isso, alinhou com um esquema jamais experimentado, de três centrais e cinco defesas, não criou uma verdadeira ocasião de golo, fora um toque de calcanhar fortuito de Pepe, e esteve a ganhar por 0-0 até o mesmo Pepe se lesionar e até aos 70 minutos, quando todo o «interessante» plano se desmoronou com um metro quadrado de espaço concedido a esse magnífico Morales. Saiu de Glasgow com uma derrota sem contestação nem honra, praticamente afastado também da Liga Europa e enxovalhado aos olhos da imprensa escocesa e inglesa.
No final, disse Sérgio Conceição que esta equipa do Porto não é a do ano passado. Pois não, mas considerando que nesta foram investidos 70 milhões para tentar a qualificação falhada para a Champions e que para o ano vai ser necessário desfazê-la em vendas, o futuro é negro. Uns dias depois disse também que os treinadores, e ele próprio, também se enganam. Talvez fosse uma confissão dos enganos cometidos em Glasgow: oxalá.
2 - Claro que acho bem que os clubes tenham um regulamento disciplinar e que castiguem os jogadores que o não cumpram. Mas castigá-los afastando-os dos jogos é uma forma de castigo autopunitiva cuja inteligência nunca percebi. Por outro lado, há que ser comedido e não confundir autoridade com autoritarismo, nem confundir disciplina com oportunidade de afirmação. Uma coisa é os jogadores fazerem noitadas em bares ou discotecas na véspera de jogos ou de treinos matinais; outra coisa, bem diferente, é quatro jogadores sul-americanos, muito longe das suas casas, acabados de chegar ao clube, juntarem-se com as respectivas mulheres em casa de um deles para celebrarem um aniversário, na véspera de um treino vespertino. As grandiloquentes declarações de Sérgio Conceição sobre a superioridade do clube, da sua cultura e do seu presidente, a propósito de um caso menor de indisciplina, não sei porquê, pareceram-me uma oportunidade de se resgatar a si próprio, mais do que corrigir erros alheios.
3 - E se, o jovem Diogo Costa - que não teve nada que fazer no jogo do Bessa - tem consentido um golo defensável e, em função disso, o FC Porto tem ficado a 4 ou 5 pontos do Benfica? Qual seria a posição de Sérgio Conceição, depois de ter tirado da baliza Marchesín por ele ter ido a um jantar de anos da mulher de um companheiro de equipa?
Mas não foi só esse o risco que ele correu no Bessa: o jovem Fábio Silva é inquestionavelmente trabalhador, esforçado, dado ao jogo sem regatear esforços - mas, até agora, não mostrou nada mais do que isso e isso não chega, sobretudo quando no banco estão Zé Luís e Aboubakar. Em contrapartida, foi-nos dado finalmente ver jogar Loum e logo desde o princípio até ao fim. E sabem que mais? A avaliar por este jogo (e eu sei que tal é injusto…), é bem melhor que Danilo: mais esclarecido e mais rápido, mais criativo e mais calmo e, acima de tudo, a jogar para a frente e não apenas para trás e para os lados.
4 - Bruno Lage cumpriu 30 jogos do campeonato, uma volta completa, no comando do Benfica, com o impressionante registo de 28 vitórias, 1 empate e 1 derrota. Vai em 14 vitórias consecutivas fora de casa. Foram números imbatíveis no ano passado e provavelmente voltarão a sê-lo este ano. Como aqui escrevi a semana passada, é quase impossível impedir o campeonato do Benfica porque não há nenhuma equipa, além do FC Porto, que lhe faça frente. Jogue muito, pouco ou nada, o Benfica ganha sempre, como ganhou em Tondela ou nos Açores. A primeira parte do Benfica em Ponta Delgada foi do pior futebol que vi jogar este ano. Mas também a foi a do Sporting contra o Belenenses. E, a espaços, a do FC Porto contra o Boavista - embora, neste caso, mais por culpa de um adversário que nunca abandonou o seu histórico de bater mais do que joga e que em todo este desafio não criou a sombra de uma ocasião de golo nem se preocupou com isso.
5 - Sim, parece que agora todos concordam que se está a jogar um futebol de terceiro mundo em Portugal. Todas as equipas, até as dos supostos três grandes. Em relvados péssimos, até os dos três grandes. Com um tempo de jogo útil que é o mais baixo das Ligas europeias, em que metade do tempo jogado é gasto num tipo de jogo que consiste em trocar a bola entre os centrais e os laterais, sem avançar um metro. Com constantes simulações de faltas e lesões e tentativas de sacar penáltis por mão na bola. Com uma confrangedora mediocridade a rematar à baliza, que faz com que as bolas paradas sejam a grande maioria das oportunidades de golo. Com jornalistas que não têm coragem para enfrentar as banalidades e a arrogância dos treinadores. Com um calendário de competições que parece feito para afastar adeptos e tirar o ritmo às equipas. Com dirigentes vitalícios, inamovíveis e irresponsabilizáveis. Com os clubes cativos dos agentes e atolados em dívidas. Uma festa!
6 - Dois jogos decorridos após o brilharete feito com o empate contra o FC Porto, somada mais uma derrota e um empate, Nuno Manta foi despedido do Marítimo. De que lhe serviu aquele brilhante antijogo?