As infrações no pontapé de penálti
O espírito não é punir tudo o que mexe, é punir apenas o que de ilegal produzir frutos
A S leis de jogos têm, a espaços, um problema: o texto escrito nem sempre reflete o alcance prático que pretende atingir.
E, como se não bastassem os mil e um lances impossíveis de catalogar, há regras que - sendo claras, factuais e objetivas - ainda assim exigem aplicação sensata dentro das quatro linhas.
Um dos exemplos mais flagrantes é o das infrações nos pontapés de penálti.
O que a regra faz, no fundo, é afirmar a ilegalidade teórica de um conjunto de ações (oito ao todo), que na prática nem sempre devem ser sancionadas. Ao contrário do que possa parecer, isto não choca, porque acontece em muitas outras situações do jogo: por exemplo, a lei diz que um guarda-redes só pode ter a bola nas mãos durante seis segundos, mas na prática isso raramente acontece; a lei também diz que um lançamento lateral tem que ser executado no local onde a bola saiu, mas na prática isso raramente acontece; a lei diz ainda que uma qualquer falta deve ser punida no local da infração, mas na prática isso raramente acontece. Muitas vezes o legislador não quer sancionar infrações: quer evitar que elas aconteçam abusivamente.
É exatamente isso que acho que acontece nos pontapés de penálti: a Lei 14 refere que, se um ou mais jogadores não respeitarem a distância, podem ser penalizados (depende do resultado do pontapé). Ora se pensarmos bem, essas ilegalidades técnicas ocorrem em quase todos os pontapés de penálti, pelo que seria um absurdo sancioná-las ou mandá-las repetir exaustivamente. Notem que aquele é um momento de grande tensão para todos e seria quase desumano pedir a defesas e avançados que não corressem atrás do desfecho do pontapé. Em rigor, o que a lei quer dizer é que só deve haver punição se a intrusão indevida for flagrante/perturbadora ou se o infrator tirar benefício direto da sua conduta. Por exemplo, se um defesa invadir a área prematuramente e desviar da zona de perigo uma bola que bateu no poste da sua baliza, deve ser punido (aí o remate será repetido). Se, por outro lado, um avançado aproximar-se a menos de 9,15 metros e fizer a recarga vitoriosa para golo, também deve ser sancionado (no caso com pontapé-livre indireto). Ambos beneficiaram das infrações que cometeram. Aliás, é só quando há essa vantagem irregular que o VAR intervém (e isso sim, está escrito).
O espírito não é punir tudo o que mexe, é punir apenas o que de ilegal produzir frutos. O que for relevante no desfecho do penálti.
Isto vale para todos os jogos de todas as equipas. As mesmas que tantas vezes já foram lesadas e beneficiadas com esta leitura mais abrangente.
A lei não é perfeita, mas entender o alcance é quase sempre uma questão de lógica.