As grandes contradições do Benfica
QUANDO Luís Filipe Vieira admitiu a possibilidade de contratar Mourinho, colocando como único obstáculo a hipótese do treinador não querer regressar a Portugal, logo explicou que, «no Benfica, dinheiro não é problema». Pelo sim, pelo não, também foi dizendo que haveria sempre a solução de emagrecer o plantel para pagar o Special One com os ordenados dos jogadores que saíssem.
Mourinho, como se sabe, preferiu ficar em ano sabático, meditando sobre si próprio e o mundo, e o Benfica, como também se sabe, preferiu emagrecer o plantel e poupar dinheiro, apesar de não contratar Mourinho e de ficar com um treinador jovem, ambicioso, com potencialidades e, ainda por cima, muito barato.
Poderemos sempre admitir que o emagrecimento do plantel não é um mal em si mesmo. Principalmente, se falamos de jogadores que não aspiram a mais do que andar a pairar pelos verdejantes e arranjadinhos terrenos do Seixal.
A questão, porém, nunca se deverá colocar sem uma perspetiva de conjunto. O objetivo de uma equipa ganhadora é ter o melhor plantel possível, num quadro de equilíbrio entre a sua condição financeira e os seus objetivos competitivos. Ora, é precisamente neste equilíbrio que começam as grandes contradições do Benfica.
O presidente não tem dúvidas em afirmar que o Benfica voltará a ter a hegemonia desportiva do futebol português, porque é o melhor, porque é o maior, porque é o mais organizado. O problema é que o presidente não tem, junto a si, quem lhe diga que parte importante das premissas não são verdadeiras e, como tal, a análise, mesmo nos seus pontos essenciais, está pura e simplesmente errada.
Não. O Benfica não voltará a ser o melhor, mesmo continuando a ser o maior, se não tiver uma política desportiva competente no seu futebol nacional. Se a primeira decisão não for de quem saiba de futebol, ou se a gestão de contratações e dispensas de jogadores passar por uma política administrativa, sem coerência, sem visão das consequências para a equipa.
Eu bem sei que muitos têm acompanhado a lengalenga oficial e dizem que o Benfica tem o melhor plantel dos clubes portugueses. Não só não é verdade, como é uma mentira grosseira.
O melhor plantel, o mais equilibrado, o mais planeado, o mais forte, é o do FC Porto. É verdade que Sérgio Conceição tem feito um magnífico trabalho, mas os resultados, nacionais e internacionais, obtidos não teriam sido possíveis se não tivesse jogadores de qualidade para treinar e jogar. Não só os tem, como procura cirurgicamente no mercado aqueles que podem estar a fazer alguma falta, numa perspetiva de rotação necessária, pelo desgaste competitivo, como ainda pensa naqueles que poderão vir a fazer falta, numa visão mais dinâmica e que tem a ver com a substituição de jogadores que, eventualmente, deixarão o clube no final da época.
Se o Benfica prosseguir na sua teimosa política de contradições entre o discurso e a realidade, o FC Porto ficará cada vez mais distante na liderança do futebol português. E não falo, apenas, sobre essa aparente inevitabilidade de vir já a ser bicampeão, nesta época. Falo, também, do futuro, pelo menos a curto e a médio prazo.
O que Vieira parece ainda não ter compreendido muito bem é que não basta ter jeito e arte para o negócio para se ter arte e jeito para construir uma boa equipa de futebol. Uma coisa é saber fazer negócios, outra é saber de futebol. Vieira não sabe, nem tem de saber, desde que as decisões passem por quem saiba e incluam um treinador que tem de saber mais do que treinar e precisa de um estatuto que lhe permita dizer que não, quando é não que deve dizer.