As fintas de Seferovic
As semelhanças com 2018/2019: o estatuto inicial de suplente e a parceria certa que chegou com um ano de atraso
ESTÁVAMOS na época 2018/2019, na fase em que o Benfica voava sob o comando de Bruno Lage, com uma dupla de avançados demolidora formada por Seferovic e João Félix. Dois jogadores de características tão diferentes quanto complementares, com o sucesso traduzido em números: o suíço foi o melhor marcador do campeonato e o português transferiu-se para o Atlético de Madrid por €126 milhões.
Lembro-me de numa certa ocasião perguntarem ao ponta de lança de ascendência bósnia os motivos de tão bom entendimento com Félix e de a resposta ser desconcertante, não pelas razões evocadas, mas sim pela ausência de explicação: «Não sei porquê, mas encaixámos bem no ataque e fazemos uma parceria muito boa.»
Este «não sei porquê» é o reflexo da essência de muitos futebolistas. Para a maioria deles, o rendimento depende mais das boas sensações do que da lógica cartesiana. Será algo primitivo, até, mas é mesmo da natureza das coisas: pode o treinador dar as melhores explicações no balneário e tudo fazer sentido no plano teórico e um ou outro jogador conseguir replicar as mesmas palavras numa conferência de imprensa, mas se os jogadores não sentirem aquelas ideias, o fracasso estará ao virar a esquina.
A melhor forma de perceber se um jogador está realmente comprometido e confiante não é pelo que fala nem como fala (uns porque lhes sopram os chavões do costume, outros por manifesta dificuldade), mas pelo modo como se expressam em campo. Nalguns casos, até as expressões faciais dizem tudo.
O caso de Seferovic é exemplar: ouvir o que ele diz hoje ou o que dizia há alguns meses, quando não era titular, é quase um copy/paste; já o olhar é um outro mundo: é o de um killer que transpira prazer. A exibição em Paços de Ferreira terá sido, a par daquela que assinou no dérbi em Alvalade que o Benfica venceu por 4-2, em 2018/2019, a melhor ao serviço das águias.
É raro ver um desempenho assim de um ponta de lança, um jogo praticamente perfeito em todos os aspetos: na potência e técnica de remate, no passe, no timing da desmarcação, no domínio do espaço e do tempo. Uma daquelas exibições sem redundâncias, em que cada ação acrescentou sempre valor, por mínima que fosse. Seria notável para um jogador de atributos superlativos, ainda mais o foi por se tratar de um jogador com limitações reconhecidas por todos.
Mas o mérito de Seferovic não acaba aqui: tal como há duas épocas, teve de passar por um adversário chamado desconfiança. Em 2018/2019, a preparação da temporada com Rui Vitória dava sinais de que o internacional helvético não seria primeira opção. Afinal, fora feito um alto investimento em Ferreyra (no prémio de assinatura e salários) e em Castillo. E Jonas ainda estava no plantel; no início desta temporada, a tentativa falhada da contratação de Cavani e a aquisição posterior de Darwin Núñez por valor nunca antes pago por um clube português (€24 milhões) colocavam a nu que Seferovic não estaria no topo das preferências de Jorge Jesus.
A história passada e recente dizem então isto: em 2019 venceu A BOLA de Prata e em 2021 está bem encaminhado para conquistar outra, numa interessante disputa com Pedro Gonçalves, um médio mascarado de avançado.
Muito diferente do que aconteceu em 2019/2020, aí sim a única temporada em que partiu com estatuto de titular, ainda mais após a saída de Félix para a capital espanhola. Um status óbvio face à produtividade da época anterior mas que só faria sentido se Seferovic continuasse a fazer sociedade com um jogador de características diferentes das dele. Assim não entendeu o Benfica, que trouxe Raúl de Tomas por €20 milhões e o desfecho foi o que foi: nem o espanhol rendeu, nem o suíço. Curiosamente, nesse verão foi pedido a Luís Filipe Vieira um substituto de Félix. Não veio porque era considerado caro e já tinha vindo De Tomas. Esse jogador era Luca Waldschmidt. Não por acaso, o tal que tem casado bem com o helvético em 2021 (e não é só por ambos se entenderem bem em alemão). Uma parceria adiada por um ano. Pode Seferovic não saber explicar, mas de certeza que sente que este é o caminho.