As eleições do Sporting

OPINIÃO01.09.201804:00

Muito antes de Portugal ser a democracia estabilizada e moderna, que a primeira República não conseguiu que fosse e o Estado Novo impediu ser, já os clubes de futebol eram genuinamente democráticos.

Democráticos no modelo de escolha eleitoral, pelos sócios, dos seus governantes; democráticos, também, na regular auscultação dos seus sócios em temas prementes, reunindo-se em assembleias gerais que, por vezes, eram francamente representativas e sempre muito participadas.

O direito de associação, de opinião, de contestação das lideranças e de escolha dos seus dirigentes sempre foi um exemplo social que os clubes portugueses ofereceram, como exemplo, à política.

Existem, evidentemente, alterações significativas, naqueles clubes que perderam a maioria nas Sociedades Desportivas que gerem e administram o futebol profissional, mas, como se sabe, os principais clubes nacionais têm conseguido resistir aos modelos de privatização puramente empresariais e, por vezes, unipessoais, como sucede, por exemplo, no futebol inglês.

Daí que as eleições para os clubes, altura em que a decisão dos sócios é soberana, continue a constituir um momento de especial importância. Tradicionalmente - e o povo do futebol é, de facto, muito conservador - as escolhas de rotura com o passado recente só acontecem em momentos de profunda crise, em tempos de instabilidade, em casos de ausência de lideranças fortes e maioritárias.

Pinto da Costa, no FC Porto, garantiu uma presidência vitalícia, independentemente de alterações próximas que possam verificar-se a curto ou médio prazo; Luís Filipe Vieira, porque conseguiu uma histórica estabilidade e crescimento do Benfica, após o infernal consulado de Vale e Azevedo, também conquistou, por direito, um estatuto especial que prevê uma evolução na continuidade.

Diferente é, obviamente, o caso do Sporting. Bruno de Carvalho poderia ter sido uma histórica solução, antes dele próprio se ter transformado no principal problema do clube. Apesar dos óbvios indícios iniciais de um comportamento ditatorial, apesar das atitudes e da linguagem desenfreada e agressiva, apesar, ainda, de todas aquelas manifestações egocêntricas. A verdade é que o presidencialismo, para o bem e para o mal, tem sido a forma em que os sócios dos clubes mais e melhor se reconhecem e daí que o previsível sidonismo do ‘presidente-rei’, que sempre procurou ser Bruno de Carvalho, tivesse encontrado apoio numa maioria que se preocupava mais com os fins do que com os meios, aliás, filosofia política que já se tinha mostrado triunfante no FC Porto, no século passado.

Por razões de suicídio de credibilidade e de responsabilidade, Bruno de Carvalho autodestruiu-se e agora, apesar de continuar sempre ativo, a maioria dos sportinguistas apenas o veem como um cavaleiro de triste figura.

Porém, Bruno de Carvalho deixou uma pesada herança. Depois do seu curto reinado de populismo e de desassossegos, a escolha para o futuro do Sporting pode vir a depender, não da visão do essencial, mas do tipo de liderança que se assemelhe mais à de Bruno de Carvalho, pelo temperamento ou pela idade do candidato, e não pela competência ou qualidade de gestão em tempos de crise e de inquietação. Ou seja, a escolha pode vir a ser feita mais por um reflexo intuitivo do que pela razão. 

  É bom que os sócios do Sporting percebam a extrema gravidade do momento e entendem que a sua decisão terá consequências inevitáveis para o futuro do clube que amam, mas, mais do que isso, para o futuro do futebol português.