As diferenças

OPINIÃO04.02.202106:00

A ‘transformação’ de Coates no Sporting é o oposto do que acontece no rival Benfica. E não é poruma questão de atitude

ALÉM dos títulos, uma das impressões digitais mais marcantes dos treinadores campeões em Portugal foi o modo como elevaram determinados jogadores a patamares superiores nunca observados. Não falo de adaptações felizes a uma nova posição, refiro-me a jogadores que já estavam na equipa, jogavam no mesmo lugar mas só atingiram graus máximos de relevância com um treinador específico. No passado mais recente aponto dois exemplos: Sérgio Oliveira com Sérgio Conceição e Gabriel com Bruno Lage. Este ano, com Rúben Amorim, o caso mais flagrante é o de Sebastián Coates.  
Apesar do estatuto de internacional uruguaio, nunca foi totalmente consensual em Alvalade e quando não fazia dupla com Mathieu vinham ao de cima algumas carências, também, ao nível do equilíbrio mental. Pois entre o Coates que fez três penáltis no mesmo jogo frente ao Rio Ave no final de agosto de 2019 e o patrão que se apresenta hoje em campo vai uma distância enorme. Podia falar do maior controlo que faz da profundidade ou da melhor leitura do jogo que o impede de cometer muito mais faltas mas o que mais me surpreendeu foi a evolução dos seus passes longos. Descabidos e descalibrados outrora, os lançamentos do central sul-americano têm sido fundamentais nos processos simples (mas muito eficazes) do Sporting de Rúben Amorim, quer na procura dos espaços nas costas da defesa adversária quer na variação imediata de flanco para desposicionar o adversário - não há equipa em Portugal que vire o jogo de forma tão rápida. A morfologia nunca lhe permitirá ser um central elegante mas no futebol a estética molda-se sempre aos resultados. A competência somada à ausência de erros gera um valor acrescentado em Coates que bate qualquer sentido de fealdade. O bom é belo.

SE em Alvalade se vê jogadores evoluírem com o tempo (Nuno Mendes, Palhinha, Pedro Gonçalves, Tiago Tomás, Matheus Nunes), uns que têm superado as expectativas (Porro, Neto, Feddal) e outros que estão ao nível do que se espera deles (Adán, João Mário, Jovane Cabral), vê-se no outro lado da Segunda Circular um desfasamento no binómio valor/desempenho. Ao contrário do que acontece com o velho rival, nenhum jogador está acima do que já fez e o máximo que se assiste são desempenhos de de acordo com o se espera deles (e é muito), casos de Otamendi, Vertonghen e Weigl. Outros há regulares (Vlachodimos, Grimaldo, Pizzi, Rafa, Waldschmidt, Cervi), depois os intermitentes (Gilberto, Nuno Tavares, Darwin, Seferovic, Everton) e por fim os inócuos (Taarabt, Pedrinho). Ninguém está acima do que vale e muitos estão abaixo do que podem valer. Dito de outra forma: não há transcendência, ninguém a reclamar para si o estatuto de ídolo (ídolo com substância e não do Instagram), como se cada jogo fosse mais um dia no escritório - a história do futebol mostra-nos que nunca houve equipas campeãs feitas apenas de burocratas.
O diretor desportivo  deu entretanto a cara, mas na conversa com a BTV limitou-se apenas a fazer um diagnóstico, fugindo às causas da doença e apontando como cura a necessidade de não desistir, um «assumir responsabilidades» e «caráter». Rui Costa nunca foi nem conseguirá ser deselegante e não seria agora que diria algo do género mas todos percebemos a mensagem: há gente que não está a dar tudo o que pode e o que tem. O problema, porém, é maior: só agora os mais altos responsáveis do clube perceberem isso. Apenas  quem está lá dentro saberá os motivos para tão fraca performance, mas ao contrário do que muitos pensam o futebol não é uma ciência oculta e sabemos que quando um grupo de jogadores não funciona no máximo das suas potencialidades é porque não quer ou não acredita no que está a fazer. Sem crer na primeira razão por não duvidar do empenho de cada um (e a atitude, por si só, não resolve jogos), inclino-me mais para a segunda, que se torna mais complexa por envolver muitas variantes, €100 milhões depois: técnica/tática (treinador), sentimento de pertença (dirigentes superiores e intermédios) e valor duvidoso de algumas contratações (presidente/diretor desportivo/treinador).