As cores natalícias
1 Sábado de manhã, antes do magnífico jogo que pude ver na Luz entre Benfica e Famalicão, fui a uma livraria, com o propósito de comprar livros para uma sobrinha e um outro sobrinho. Ambos benfiquistas ferrenhos e praticantes nas escolinhas do clube. Tinham-me pedido livros sobre o Benfica e a sua história. Escolhi-os e pedi para mos embrulharem como prenda natalícia. Escusado será dizer que a cor dominante nas capas de cada um dos livros era o vermelho. A jovem, que gentilmente me atendeu, olhou-me e disse-me, algo embaraçada, que, naquela altura, só tinha papel de embrulho…verde! «Mas qual é o problema?», perguntei-lhe quase distraidamente. Foi, então, que me contou que já tinham sucedido situações em que quem comprou um livro sobre o Benfica recusou determinante o verde de embrulho e, também, o inverso de alguém ter comprado um livro do Sporting e não ter consentido no invólucro encarnado. Ao mesmo tempo que sorri, disse-lhe que podia, à vontade, envolver em alegre verde as ofertas de um tio benfiquista até ao tutano para duas crianças de corpo e alma benfiquistas.
Já fora da livraria, pus-me a pensar no significado das recusas de junção de cores, que me foram descritas. E no que isso tendencialmente significa de excessivo, senão mesmo de patológico, em vez de uma sã, aguerrida e competitiva rivalidade. E no que isso pode induzir no espírito de crianças e jovens em formação, quando atitudes como as referidas são formuladas por pessoas adultas. E, pior do que isso, quando são tornadas (quase) obrigatórias por instruções de quem dirige clubes. Lembro-me de jogadores que, no SCP de Bruno de Carvalho, tiveram de abandonar o vermelho dos seus carros ou a tão insólita, como patética discussão à volta da figura do Pai Natal transfigurado num barbudo verde-e-branco.
Coincidência foi o facto de, no fim-de-semana, o Real Madrid e o Barcelona terem jogado nos seus encontros com equipamento alternativo esverdeado quase igual. Ai se isso acontecesse cá…
2 Ultrapassada a fase de algumas vitórias com exibições descoloridas, eis que, de há um mês a esta parte, o Benfica regressa a desempenhos não só sedutores, como eficazes. Bruno Lage terá conseguido o onze ideal no actual conjunto de jogadores disponíveis. Como ele disse, e estando eu no estádio a assistir aos desafios, percebe-se também (e tão bem) a importância de um bom relvado para o padrão do Benfica. Acresce um ponto, qual seja o de todos os jogadores estarem em boa forma. Na minha leitura de leigo, gosto particularmente do par Gabriel - Taarabt, improvável até há pouco tempo. No fundo, nem um 6, nem um 8, diria antes, um 6,5 e um 7,5 em diagonais alternadas. Apreciei, particularmente, a grande ovação dada a Franco Cervi, um jogador que, no início da temporada, terá estado na porta de saída. Trata-se de um atleta híper trabalhador, e que tanto ataca como defende com assertividade e que liga muito bem com Grimaldo e o compensa amiúde. Outro jogador que promete é o lateral-direito Tomás Tavares. Comete erros próprios da sua idade, mas adivinha-se que tem à frente um futuro bastante promissor. Chiquinho - disse-o aqui ainda na pré-época - é um virtuoso, que joga com inteligência, clareza e profundo sentido associativo. Pizzi é o metrónomo da equipa. Se ele joga bem (e tem-no feito muitas vezes), a equipa segue-o; se tem uma tarde ou noite menos conseguida, o colectivo ressente-se. Vinícius, já aqui o escrevi, só tem olhos para a baliza contrária e mostra valer o que custou. Vlachodimos está um senhor guarda-redes.
Segue-se agora um jogo difícil num troféu sempre apetecível. Jogar contra o Sporting de Braga para a Taça de Portugal, mesmo na Luz, constitui sempre um desafio que exige concentração, capacidade competitiva e discernimento. Em bom rigor, está-se a falar de um encontro que, não fora o sorteio, bem poderia ser nesta época o encontro derradeiro no Estádio Nacional.
3 Continuando nas competições nacionais - quando escrevo ainda não sei os resultados dos encontros por disputar da última jornada do campeonato - não posso deixar de referir as incidências da anterior jornada. Não falo do alegado pugilato nas catacumbas do Jamor, nem do modo sempre zangado como Sérgio Conceição fala aos microfones. Que diabo, dizem-nos que é só feitio, mas por que razão o tão singelo feitio só se revela em todo o seu esplendor quando perde ou não ganha? Imagine-se, por hipótese académica, que este Sérgio Conceição treinava o Benfica. Pergunto, se a tolerância e os salamaleques que lhe fazem em certos e obedientes media não se transformariam imediatamente numa chuva ácida de críticas e onde o tal feitio viraria desequilíbrio. Não haja dúvidas, a Bruno Lage, um treinador correcto, discreto, sem mind games e sem a hipocrisia reinante, sempre se inventa qualquer coisa fútil para o criticar. Comparado com a boa imprensa de que, em regra, usufrui o técnico do Porto, o treinador encarnado tende a ter uma imprensa mais adversa …
Uma situação curiosa aconteceu, igualmente, nos últimos dias. Tanta tinta sobre o 2.º golo do Benfica ao Boavista, o tal de Cervi, que - reconheço - foi difícil de ajuizar e caso tivesse sido invalidado não criticaria a decisão. A agência portista de escárnio e maldizer, nos minutos imediatos, lá bolsou nas redes sociais com uma fúria avassaladora contra o árbitro que validou este golo. Pois não é que passados poucos dias, o Porto marca o seu terceiro e, neste caso, decisivo golo contra o Feyenoord numa indiscutível falta de Soares que levou tudo para dentro da baliza, defesa inclusive. A alegada falta de Cervi comparada com a de Soares é o mesmo que comparar uma ligeira brisa com um tornado. Significativo foi o facto de, mais uma vez, os media em regra muito obedientes (ou com medo de represálias) em relação ao FCP terem ignorado olimpicamente tal situação, ou a terem deixado perder na névoa do tempo quase imediatamente. Na transmissão da Sport TV, limito-me a escrever o que mestre Freitas Lobo disse no momento: «Soares vai com tudo, a mostrar os dentes e os pitons. O mérito é todo dele, que vai de carrinho». Tudo numa boa, portanto. Balbuciar a palavra falta, qual quê… o respeitinho é muito ajuizado.
4 Excelente jornada europeia, a que apenas o Sporting entendeu não ligar (e não jogar) patavina. No campeonato 2020/2021, teremos ou duas ou três equipas na fase de grupos da Liga dos Campeões. Este ano, a passagem aos oitavos de final desta competição milionária evidenciou a 100% o poderio dos big five. Das dezasseis equipas apuradas, 4 são inglesas, 4 são espanholas, 3 são italianas, 3 são alemãs, 2 são francesas, numa hierarquia perfeita até dentro destes cinco campeonatos. Um verdadeiro oligopólio futebolístico que se vai perpetuando e cavando um fosso quase intransponível para os outros, a começar por Portugal.
Já quanto ao sorteio dos chamados grandes, e em teoria, Benfica (um confronto entre Bruno Lage e Luís Castro) e Porto terão a eliminatória mais difícil. O Sporting, curiosamente o único clube português do pote 2, terá, aparentemente, um adversário mais acessível. Interessantíssimo será o SC Braga- Rangers.