As claques e os agitadores

OPINIÃO15.10.201901:29

Quando o raio de ação de gente a soldo de interesses dúbios, embora  sob o disfarce de  grupos organizados de adeptos, chega ao Sporting de Braga julgo estar encontrado o exemplo que faltava para os clubes repensarem o relacionamento que mantêm com as claques, corroídas e desviadas de  valores que deveriam defender e promover.
A classe dirigente é culpada, em boa parte, por se ter servido delas  com fins mal esclarecidos. Depois, elas próprias, respaldadas na assinalável presença que conquistaram e na liberdade total em que as deixaram crescer, acabaram por descontrolar-se. Ficaram permeáveis a amizades pouco recomendáveis, transformaram-se em abrigos de franjas marginais e passaram a funcionar como centros de atividades duvidosas, tudo consentido por amor ao clube do coração…  
Após a desastrosa passagem de Bruno de Carvalho pela presidência do Sporting acentuou-se o registo de um fenómeno curioso  em  que as claques, tal como as vemos, barulhentas e refilonas, mas incansáveis no aplauso às suas equipas, aos poucos foram sendo manipuladas pelos  seus  grupos organizados, os quais, quanto a mim, representam minorias controladoras com  intenções suspeitas. No entanto, de modo nenhum devem ser confundidos com o  universo de cada claque e o que ela  simboliza, na  essência um conjunto de grupos espontâneos, genuínos e desorganizados de adeptos, unidos apenas pelo emblema que adoram.  

Ocaso de Alcochete é paradigmático, na medida em que  ninguém no seu perfeito juízo confunde as malfeitorias daquele   grupo organizado com os milhares  de jovens e menos jovens de boa-fé que incorporam a claque em causa.  
São estes os grupos organizados que preocupam - e não aqueles a que a lei se quer referir, no meu entendimento -, cínicos, arrogantes e perigosos, por se relacionarem com o mundo do crime, que ora incentivam a equipa no estádio, ora insultam os órgãos eleitos no pavilhão, motivo por que as assembleias, pela amplificação mediática que suscitam, estejam a ser usadas para fazer ruído, promover a desordem e provocar a instabilidade.
A um ano de eleições, o Benfica enfrenta semelhantes  dificuldades.   Também  o seu grupo organizado de adeptos  se entretém na ofensa à figura do presidente e procura, com algum êxito, transformar as assembleias em arraiais de bairro. Se o clube não tomar  medidas enérgicas para identificar  e neutralizar os agitadores, não deverá haver daqui em diante reunião magna  sem  barafunda quanto baste para ser o tema de conversa da semana.
Os problemas com que se debatem  leão e águia, no dragão são histórias passadas para mais tarde contar aos netos. Por lá, as assembleias, encaradas como reuniões em família,  são rápidas, precisas e concisas, e enquanto Pinto da Costa for presidente assim será pela razão simples de os grupos organizados das suas claques serem, provavelmente, mais astutos e perceberem  que para o negócio correr de feição é no estádio, ou no centro de treinos, que devem incidir a pressão, sobre o treinador e os jogadores.  Nos  últimos meses, frise-se, Sérgio Conceição, em duas ocasiões, sentiu o peso desse poder:  no final do jogo com o Aves, em que súbita força persuasora obrigou técnicos e jogadores, já nas cabinas, a regressarem ao relvado para agradecerem aos adeptos, e antes a propósito do empate com o Rio Ave, em Vila do Conde.

Surpreendente, porém, foi esta tendência arruaceira ter-se estendido à assembleia do SC Braga, apoiada na mesma estratégia pindérica, com o patrocínio de grupos organizados de duas claques mancomunados com um candidato derrotado nas urnas, quando estava em discussão a  aprovação de um resultado positivo de quase dois milhões de euros. Sinceramente, creio que esta pobre ideia de fragilizar a posição de António Salvador apenas pode envergonhar o seu autor.
O presidente do SC Braga tem virtudes e defeitos. Comete erros, é intolerante, sisudo, de poucas palavras, talvez até pouco simpático. Apontem-lhe os pecados que quiserem, e terá muitos, mas eu sei, todos sabemos, o que era o clube quando ele chegou à presidência, em 2003, à beira da despromoção, e o que é hoje, em 2019, claramente uma nova frente de intervenção no quadro nacional, e só não é mais decisora porque a cidade e a região demoraram a acordar  para a importância da projeção internacional da marca Braga através do seu principal clube, na mesma linha do Barcelona, do FC Porto, do Real Madrid, do Valência, do Milan ou, principalmente, do Liverpool, cujas conquistas recentes geraram, inclusive, interessante disputa  entre clube e  município quanto à paternidade da marca, imensamente valorizada  em resultado  dos títulos do futebol.
O SC Braga saiu do anonimato ao adquirir projeção europeia, de aí a inabalável ambição de Salvador em manter esse canal aberto, atribuindo-lhe relevância estratégica prioritária. Este ano, o quadro é favorável. A entrada titubeante na Liga portuguesa foi compensada por Sá Pinto na Liga Europa. A primeira  meta da época, o apuramento no grupo, está perfeitamente ao alcance, o que mais destapa o ridículo de quem quis perturbar a última assembleia. Sinal dos tempos…