As chicotadas doem
Ser chicoteado deve doer. Não é só a dor de sentir o chicote a estalar nas costas, antes também a impossibilidade de vermos o chicoteador. Estar de costas para quem nos está a aleijar deve acrescentar dor à dor. Porém, existem os masoquistas. Levar umas chibatadas e ter prazer parece algo irrealista. Mas existe. Tal como a chicotada psicológica. Ser chicoteado psicologicamente é estar atado de pés e mãos e alguém tentar humilhar-nos. Tipo: este senhor tem uma avença daquele clube; este senhor não pode arbitrar mais jogos do meu clube; se eu errar, sou despedido, mas se este senhor errar, nada lhe acontece.
Ser chicoteado deve doer. José Peseiro (2018/2019) estava a dois pontos da liderança quando foi despedido no Sporting: dói. Fernando Santos (2007/2008) foi afastado do Benfica à 2.ª jornada: dói. Luigi Delneri (2004/2005) saiu do FC Porto antes do início dos jogos oficiais: dói. Claro que as chicotadas psicológicas são biunívocas. Ou seja, têm dois sentidos. O do prejudicado e o do beneficiado. Quase há 20 anos, em setembro de 1999, Giuseppe Materazzi, o prejudicado, foi afastado no Sporting para entrar Augusto Inácio, o beneficiado. Os leões acabaram campeões e na história, apesar dos cinco jogos do italiano na Liga, só consta o de Inácio.
Ser chicoteado deve doer. Aliás: dói. Há 37 anos, durante a época 1981/1982, o Belenenses abusou do chicote. Artur Jorge durou até à 9.º jornada. A seguir, em duplas ou não, pelo cargo passaram nada menos de oito treinadores: Nelo Vingada, Pedro Gomes, Carlos Pereira, Rodrigues Dias, Manuel Castro, António Dominguez, Júlio Amador e Vicente Lucas. Resultado: primeira descida do Belenenses à II Divisão. Uma das sequências mais surrealistas do futebol português. Porém, o caso mais surrealista aconteceu há quase 50 anos. Em 1969/1970, da primeira à última jornada, Joaquim Meirim foi treinador do Varzim e nas últimas quatro ajudou, como conselheiro, o SC Braga. Varzim e SC Braga não se defrontaram nesses quatro jogos e, assim, Meirim não esteve envolvido ainda em mais polémica. Mas o SC Braga desceu.
Ser chicoteado deve doer. Por isso, proponho uma espécie de circuito fechado. Se Lito Vidigal saiu do V. Setúbal para ir para o Boavista, Jorge Simão devia sair do Boavista para seguir para o V. Setúbal. E assim sucessivamente. Ou, como Aves e V. Setúbal não voltam a defrontar-se nesta Liga, Inácio podia ser uma espécie de Meirim do século XXI. Treinava o Aves e era conselheiro do V. Setúbal. Já só falta coisa assim no atual futebol português.