Árbitros estrangeiros. Porque não?
Antes de criticar convém esperar para saber todos os pormenores. E, pelo menos para quem tem responsabilidades, olhar para lá do que diz o título
OConselho de Arbitragem (CA) da FPF prepara-se para anunciar um intercâmbio com um país (relevante) do futebol europeu que abre as portas à presença de árbitros estrangeiros nos jogos das ligas profissionais portuguesas e abre, também, as portas à presença de árbitros nacionais em encontros dos campeonatos desse país cujo nome será revelado em breve - sendo um país relevante no panorama do futebol europeu não se espera, naturalmente, que os árbitros portugueses vão apitar jogos da liga do Azerbaijão.
A notícia, publicada em exclusivo por A BOLA no dia do clássico (lamentamos, mas não há dias certos para dar ou não dar notícias...) do Dragão, suscitou reações. Em especial de Luciano Gonçalves, presidente da APAF que viu nesta decisão um atestado de incompetência passado pelo CA aos árbitros portugueses. Parece-me uma reação, para dizer o mínimo, exagerada. Percebe-se que o adepto comum olhe para a notícia e leia, apenas, aquilo que lhe interessa: que alguns jogos das Liga e Liga 2 serão, em 2021/2022, dirigidos por árbitros estrangeiros. Mas Luciano Gonçalves não é, nem pode ser, um adepto comum. É presidente da APAF e tem, também por isso, o dever de olhar para lá dos títulos e perceber o que está em causa. E o que está em causa, neste caso, é que também os árbitros portugueses irão ao estrangeiro apitar partidas de outros campeonatos, provavelmente de nível igual ou, até, superior às nossas duas ligas profissionais. Será, mesmo, isto um atestado de incompetência aos árbitros portugueses? Se calhar não. Talvez Luciano Gonçalves, que é o presidente de todos os árbitros, e não apenas de alguns, deva perguntar aos mais novos, ou aos que não são internacionais, se veem ou não com bons olhos a possibilidade de apitarem uns jogos no estrangeiro, com tudo o que isso pode significar para a evolução de uma carreira que, para muitos, se limita a dirigirem uns encontros médios da Liga ou da Liga 2 em Portugal...
Também sobre o facto de virem árbitros estrangeiros apitar jogos dos nossos campeonatos profissionais não se percebe tanta celeuma. Primeiro porque ainda não se sabem os moldes exatos da parceria (o Conselho de Arbitragem ainda não a anunciou...), pelo que é preferível deixar grandes análises para mais tarde. Mas, pelo que se percebe por agora, a ideia não passa por trazer árbitros estrangeiros para apitar os principais jogos. Assumamos que possa acontecer, OK, mas aparentemente a ideia é que este intercâmbio seja regular, o que pressupõe, também, jogos menos mediáticos. Onde está, para já, o atestado de incompetência aos árbitros portugueses? Não encontro. Suponhamos que a parceria do Conselho de Arbitragem será com Inglaterra. Se vier um árbitro internacional inglês apitar um Benfica-Sporting e um internacional português vá dirigir, por exemplo, um Manchester United-Liverpool, fica o árbitro português a perder? Não sei se acontecerá ou não, e Luciano Gonçalves, pelos vistos, também não - e talvez esse seja, afinal, o seu problema, em especial sabendo-se que os árbitros (pelo menos alguns) estavam a par da situação. Mais vale, pois, esperar para perceber todos os contornos. E depois elogiar ou criticar.
Sabemos que a arbitragem é um setor pouco recetivo a mudanças. Todos nos lembramos de quantos narizes se torceram à introdução do VAR, no qual o Conselho de Arbitragem liderado por José Fontelas Gomes foi pioneiro. Merece, por isso, o benefício da dúvida também nesta medida arrojada. Ganhar mundo nunca fez mal a ninguém e não fará mal aos árbitros portugueses. Quanto aos estrangeiros por cá podem, quem sabe, ajudar a calar um pouco aqueles que encontram nos árbitros (até quando não há um erro que lhes possam apontar, imagine-se...) uma desculpa sempre que não ganham. Ou, em última análise, mostrar que os árbitros estrangeiros erram tanto como os portugueses. E com isso acabar com alguns estigmas. Não vejo, sinceramente, mal nisso.