Arábia Saudita e EUA - duas visões diferentes do futebol
A liga saudita nunca irá alcançar o reconhecimento e a dimensão das melhores ligas europeias
POR norma, o período de pré-época costuma trazer uma certa animação no que diz respeito a transferências. Este ano, com a entrada em cena da Arábia Saudita e dos EUA o mercado começou a mexer mais cedo, com movimentações que podem colocar em causa a dinâmica que conhecíamos do futebol mundial.
EXEMPLOS ANTERIORES
N O passado tivemos exemplos de países que investiram muito no futebol, através da oferta de contratos milionários a jogadores de enorme qualidade, uns em fim de carreira e outros ainda em idade de acrescentar. O mais recente caso foi a China. O objetivo deste país asiático foi o de dinamizar o futebol, tentando criar um liga atrativa e com qualidade, de forma a potenciar o desenvolvimento do futebol no país. A aposta em infraestruturas e em treinadores estrangeiros foi também uma evidência. Contudo, apesar do esforço financeiro e da capacidade de atrair grandes jogadores (casos de Tévez, Hulk, Witsel, Oscar ou Paulinho), a realidade é que o futebol chinês não atingiu os objetivos propostos. Isto tem uma explicação lógica: o futebol não é uma fábrica ou um simples negócio. O futebol é paixão, emoção, cultura, qualidade e irracionalidade, algo que o dinheiro não compra!
ARÁBIA SAUDITA: OBJETIVOS
A SSIM como a China tentou ganhar relevância no futebol mundial, com um investimento avultado, a Arábia Saudita tem um plano semelhante, mas com algumas diferenças relevantes: a primeira é que o investimento que está a realizar é, sem dúvida, muito superior, o que permite atrair jogadores de outra dimensão (em final de carreira e em idade para acrescentar); a segunda diferença é que, apesar de este investimento ter como objetivo criar uma liga saudita apelativa e interessante, o grande objetivo dos líderes por trás deste plano é o de utilizar o futebol para criarem uma imagem diferente do país, do seu estilo de vida e assim ganharem o respeito e admiração do resto do mundo. Existe a perceção de que o futebol, pela dimensão, notoriedade e popularidade que tem, é um veículo magnífico para se passar a ideia pretendida. Assim, de uma forma muito simples, o dinheiro é o único aliciante que atrai jogadores de qualidade e os leva para a Arábia Saudita.
LIGA SAUDITA: COMPETIÇÃO FORTE?
UM treinador ou jogador de qualidade tem duas formas de encontrar o seu caminho: uma é através da realização profissional, jogando em equipas e competições que lhe tragam adrenalina, emoção e reconhecimento e a outra prende-se com a independência financeira. Por muito que me tentem explicar que a liga saudita vai ser uma das melhores dentro de poucos anos, eu não vejo como é que isso é possível. De uma forma racional passo a explicar o meu raciocínio. É verdade que esta liga vai conseguir atrair jogadores e treinadores de qualidade, pela capacidade financeira que apresenta, mas uma coisa é trazer grandes jogadores, conseguindo a atenção mediática, outra é conseguir criar uma competição que consiga rivalizar com uma liga inglesa, alemã ou com a Liga dos Campeões. Uma competição forte não se cria de um dia para outro. O futebol é apaixonante porque o resultado é sempre incerto ou porque o dinheiro tem influência, mas não garante sucesso. Há ainda um ponto importante e que muitos desvalorizam: os adeptos gostam de futebol, gostam dos jogadores e gostam dos clubes. Os jogadores passam e os clubes ficam. A paixão que os adeptos têm pelos seus clubes, e que transmitem aos seus descendentes, não se compra com petrodólares. Na Europa, as competições têm uma enorme tradição que não se compra com dinheiro algum. Os jogadores, por sua vez, querem ter a oportunidade de ficar na história, de participar em grandes competições, de alcançar aquilo que sonharam em crianças.
Não posso nem devo criticar aqueles que aceitam este desafio e que vão receber quantias astronómicas para prosseguirem a sua carreira. Os valores são, sem dúvida, muito aliciantes e dão a garantia de independência financeira das suas famílias e gerações futuras. O que sei é que, independentemente dos valores investidos, a liga saudita nunca irá alcançar o reconhecimento e a dimensão das melhores ligas europeias.
QUEM TIRA PROVEITO DESTA NOVA DINÂMICA
N O imediato, jogadores, treinadores e agentes são aqueles que tiram maior proveito financeiro. Jogadores e treinadores porque podem fazer grandes contratos ou porque podem utilizar as propostas recebidas para melhorar as suas atuais condições contratuais. Os agentes de jogadores porque abre-se um mercado recheado de dinheiro e com vontade de o gastar. Esta abordagem dos petrodólares pode ainda ter uma grande valia para as principais ligas europeias. Porquê? Porque de um momento para o outro o dinheiro começa a circular, ou seja, a partir do momento em que se começam a fazer transferências avultadas, os clubes europeus ficam com liquidez para poderem atacar o mercado e atrair jogadores de enorme qualidade e que querem demonstrar o seu valor nas melhores competições do mundo. As ligas de menor dimensão, como a portuguesa, também podem ser beneficiadas, em termos financeiros. O facto de haver dinheiro e necessidade nos clubes de topo vai permitir, àqueles que têm tido a capacidade de desenvolver jogadores de qualidade, uma maior procura para eventuais vendas.
EUA - UMA VISÃO DIFERENTE
O S EUA também têm estado sob os holofotes do futebol mundial, pela forma como conseguiram atrair Lionel Messi e, mais recentemente, Sergio Busquets. Percebo a tentação de se colocar no mesmo patamar a estratégia saudita e a americana mas, na realidade, a abordagem dos EUA é muito diferente. Em primeiro lugar, porque os EUA não querem utilizar o futebol para dar ao mundo uma imagem diferente do país. Em segundo lugar, porque os EUA têm a noção da dificuldade que é aproximar a qualidade do seu futebol ao da Europa. Por fim, porque a ótica americana é de business! Os investidores americanos percebem a dimensão que o futebol tem e querem beneficiar dessa vertente do negócio. Uma vertente que vai ser exponenciada pelos eventos que o país irá organizar num futuro próximo: Copa América (2024), Campeonato do Mundo 2026 (juntamente com Canadá e México) e Jogos Olímpicos LA (2028). Messi acaba por ser o embaixador perfeito para as duas primeiras competições que os EUA irão organizar. O mais interessante foi a forma como conseguiram atrair o craque argentino: financeiramente a proposta apresentada pelo Inter de Miami é muito mais reduzida do que a que Messi tinha da Arábia. Contudo, se analisarmos ao pormenor o contrato oferecido e assinado, percebemos que Messi poderá conseguir ganhar, no médio/longo prazo, muito mais do que a proposta saudita. Messi irá seguir o exemplo de grandes estrelas do desporto dos EUA e vai ser o centro de um conjunto de negócios que funcionam à sua volta. Assim, numa fase inicial, irá receber uma percentagem dos assinantes do serviço de pay per view da liga, bem como uma percentagem dos lucros da Adidas nos EUA, fornecedora do material desportivo de todas as equipas da MLS. Seguindo este caminho, Messi poderá estar a dar os primeiros passos no conceito jogador/negócio que tão bem é potenciado nos EUA por outras estrelas. É o caso de Magic Johnson, Shaquille O’Neal ou Michael Jordan, que são empresários de sucesso e que influenciam, são mentores e exemplos para muitos atletas que hoje se encontram no auge. A acrescentar a isto, a qualidade de vida que o jogador argentino e a sua família irão ter (assim como o reconhecimento pessoal) será muito superior àquela que teriam na Arábia Saudita.
A VALORIZAR
João Neves. Assumiu a titularidade no Benfica na reta final do campeonato. Agora, na Seleção Nacional sub-21 também já ganhou destaque, com a primeira titularidade e um grande golo. Começa a entrar nos radares dos tubarões europeus. O Benfica está atento e vai ajustar as suas condições salariais à sua evolução e rendimento.
A DESVALORIZAR
Fernando Gomes – administrador financeiro do FCP. Passou o dia 30 e o FC Porto não conseguiu efetuar as vendas necessárias para alcançar um resultado financeiro positivo no ano fiscal 2022/2023. A situação financeira continua a deteriorar-se ano após ano.