Ar fresco, ar condicionado...
Seleção, Cristiano Ronaldo

Ar fresco, ar condicionado...

OPINIÃO29.03.202306:30

Sempre entendi que a minha liberdade de expressão englobava a liberdade do silêncio ou de não falar (liberdade de expressão negativa)

«TODOS têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem, ou por qualquer outro meio, ... sem impedimentos nem discriminações» e «o exercício destes direitos, não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura», são princípios que constam do artigo 37º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe «Liberdade de expressão e informação».

Mas, afinal, qual é o conteúdo da liberdade de expressão? Socorro-me, para responder, de dois insignes Professores de Direito Constitucional, Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação a Constituição da República Portuguesa: «As fórmulas, ideias, opiniões, pensamentos, são apenas algumas expressões semânticas do conteúdo da liberdade de expressão. O âmbito normativo desta liberdade deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões políticas, económicas, gastronómicas, astrológicas), e quaisquer que sejam as finalidades (influência na opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc.) A liberdade e de expressão não pressupõe sequer um dever de verdade perante os factos embora isso possa ser relevante nos juízos de valoração em caso de conflito com outros direitos ou fins constitucionalmente protegidos».

Sempre entendi que a minha liberdade de expressão englobava a liberdade do silêncio ou de não falar. E esse meu entendimento encontra apoio naqueles citados professores: “A liberdade de expressão pode revestir a forma de silêncio ou de não falar (não responder, “não ter opinião, preferir não se pronunciar) e de não ser coagido, a partilhar ou defender opiniões alheias (liberdade de expressão negativa).

Portanto, quando Ronaldo informou a Federação Portuguesa de Futebol de que não iria responder a perguntas do Correio da Manhã nada mais fez do que exercer a sua liberdade de expressão: responder a todos os presentes na conferência de imprensa, não responder a perguntas daquele órgão de comunicação social.
As reacções foram tímidas, desde aqueles que acham que Ronaldo não deveria ter colocado essa condição previamente, mas apenas quando aquela estação ou jornal lhe fizesse uma pergunta, até ao comunicado do CNID, que se limitou a considerar que a atitude foi “incorrecta e sem sentido”. Ora, eu penso exactamente o contrário: Ronaldo não foi cínico, mas honesto, em colocar isso à FPF que, não estando de acordo, poderia nomear outrem para falar. Por outro lado, não se pode afirmar de incorrecto e sem sentido, o exercício de um direito constitucional. Ou seja: não gostaram, mas ninguém teve a coragem para afirmar que Ronaldo não tinha esse direito, e, em consequência, tomar uma posição de solidariedade, designadamente, abandonando a conferência de imprensa. Foram, aliás, coerentes com o seu pensamento, expresso apenas junto ao ouvido, de que também não concordam com aquele tipo de jornalismo. Noutro tempo, com ou sem razão, teriam realmente abandonado a conferência de imprensa, mas o ambiente hoje vivido na comunicação social, por razões fundamentalmente económicas, é de ar condicionado. José Calado, comentador da CMTV, não deixou, honra lhe seja feita, de chamar  à atenção dessa falta de solidariedade.

Talvez por isso mesmo, o que se destacou da conferência de imprensa de Cristiano Ronaldo, foi a sua alegada «lufada de ar fresco», «brisa de aire fresco», «breath of fresh air» ou uma «boccata d’aria fresca», para usar a expressão em todas as línguas que teve de utilizar na sua carreira, o que, aliás, também causa alguma mossa, entre as várias que provoca aos invejosos. Desconheço como se diz em árabe, sendo certo que, por essas bandas, não se pode ficar por lufadas de ar fresco, e o melhor é mesmo o ar condicionado!...


O que disse, no final, Ronaldo, segundo a transcrição que ontem Rogério Azevedo fez neste jornal, «o ambiente antes era bom, mas há uma lufada de ar fresco”», depois de referir algumas diferenças, que são uma constante nas situações de chicotadas psicológicas. Para aumentar o desatino em que ficaram os comentadores habituais, ainda veio o Bruno Fernandes dizer que não havia nenhuma lufada de ar fresco, julgo eu que apenas por não saber bem o que significa uma lufada de ar fresco, porquanto, logo referiu que simplesmente há um novo treinador, com ideias novas. Ora, a expressão em causa é exactamente usada para situações de mudanças, novas ideias, para uma coisa boa que surge, sem prejuízo de antes o ar ser fresco. Mesmo o ar fresco, algum tempo depois é substituído por outro mais fresco. Cada um que nasce é sempre uma lufada de ar fresco.
De resto, não seria apenas o Ronaldo que quereria essa lufada de ar mais fresco, tantas eram as críticas que, quase unanimemente os comentadores, faziam ao futebol de Fernando Santos. E Fernando Gomes fez a vontade à comunicação social, achando, possivelmente, que era necessário ar fresco, porque o meio ambiente já tinha um ar demasiado condicionado, como acontecia, por exemplo, com Gonçalo Inácio e, sobretudo, Palhinha, boas lufadas de ar fresco. Só por desonestidade intelectual se pode contestar que não lufadas de ar fresco, a começar pelo próprio sistema.
O mal é que uns estão sempre preocupados com a fofoca e a intriga, porque essas dão audiência, logo dinheiro. É, como disse: não gostam de ar fresco, preferem o condicionado. Mas, depois, não se admirem!


... O AR DO ASSOBIO!...

Assobio é a primeira pessoa do singular do presente indicativo do verbo assobiar que significa, nos termos de qualquer dicionário de língua portuguesa, dar assobios, chamar (assobiando), soprar (assobiando), executar música, assobiando, apupar ou patear.

Nunca fui muito dado a assobios, e não apenas por razões físicas, mas porque gosto de me exprimir oralmente de outra maneira, que não seja essa forma de sopro. Nunca fui dado a elogiar através do assobio, como era vulgar fazer-se, há muitos anos, quando se via uma mulher bonita, ou para protestar com os jogadores do meu clube, do clube adversário ou mesmo dos árbitros. Do meu clube, por uma questão de princípio, e do clube adversário, porque acho que os assobios os estimulam. Assobio, gosto mas daquele vinho do Douro!

Contudo, não se pense que não acho os assobios uma forma legítima de protesto, de manifestar descontentamento, de exprimir desagrado, em suma, uma forma de exercer o direito à indignação, que Mário Soares consagrou como consequência do direito constitucional à manifestação. Ainda antes do 25 de Abril, foram muitas as manifestações (e em algumas participei) em que se assobiou e apupou o regime de então, e PIDE e a polícia de choque, para não falar, no momento actual em que o povo sai para a rua, para se manifestar à porta de Belém, de S. Bento ou da Assembleia da República para apupar e assobiar o Presidente da República, o Primeiro-Ministro ou os Deputados da Nação.

Será que o senhor Presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol também acha que se desrespeita o país com estes apupos e assobios aos governantes? Ou será que os governantes não merecem ser respeitados, porque, em vez de vestirem a camisola do nosso país, usam casaco e gravata? É que sobre isso nunca o ouvi falar, como aliás nunca o ouvi falar de situações idênticas no futebol, que de resto reconhece terem existido no passado. Que eu saiba ficou calado, o que, de resto, é preferível a deixar-se cair no ridículo de certas declarações.

Desconfio que este clamor traga água no bico e pretenda justificar qualquer coisa futura. Todos sabem bem que aqueles que apuparam ou assobiaram João Mário não o fizeram só porque o mesmo se transferiu do Milão para o Benfica, mas porque desconfiam de que houve trapaça, como assobiaram Rafael Leão, porque ele é devedor de indemnização ao Sporting.

De qualquer forma, pode não ser bonito (e não é), mas não é crime assobiar um jogador da selecção, do nosso clube ou de um clube adversário, como não é crime o público patear um espectáculo de teatro ou de música. São tudo virgens ofendidas que, quer queiram, quer não queiram, se têm de habituar a que o assobio é uma forma de exercer o direito de expressão e manifestação.

Também foi com incredulidade, tristeza e desagrado que visaltar do seu silêncio habitual o Presidente da FPF para tratar os assobios como «falta de respeito»!...

Gostaria de saber qual o conceito de falta de respeito do senhor Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, pessoa que estimo, sem prejuízo de pensar que as suas parcas declarações são selectivas consoante os seleccionados!...E, já agora, como avisou que a falta de respeito não se pode repetir, seja com quem for, atrevo-me a sugerir que não repita o contrato de Fernando Santos com Roberto Martinez ou com qualquer outro. Será outra lufada de ar fresco!...

E quanto aos verdadeiros problemas do futebol português, saibam escutar os assobios e deixem de assobiar para o lado só para manter o poder!...