Aquelas 298 tão estranhas pessoas
O insólito aconteceu no Bonfim, na última noite de segunda-feira, quando, inesperadamente, 298 pessoas, na grande maioria do sexo masculino, entraram para as bancadas do estádio para, ao que foi noticiado, verem um jogo de futebol entre uma equipa do chamado Belenenses SAD e outra equipa do Moreirense, representativa de Moreira de Cónegos.
A polícia, paga para os devidos efeitos, acompanhou de perto o estranho movimento àquela hora tardia de segunda-feira, mas não notou qualquer alteração à ordem pública, pelo que se limitou a observar e a controlar à distância.
Segundo as autoridades encarregadas de investigar o caso, terão sido apenas treze, os seres humanos que desceram do Minho ao Sado para se reunirem naquela fantasmagórica sessão. Há quem fale na possibilidade de tal ter acontecido por razões religiosas ou espirituais, mas não foram notadas nem velas, nem orações audíveis.
Tirando treze parcelas de gente à curiosa moldura humana fácil será achar o número de 286 almas penadas, algumas das quais agitavam bandeiras azuis, ao que se supõe, simbólicas da entidade que, nos autos, se afirmou como visitada, embora explicasse que a casa era apenas emprestada.
Foi-lhe perguntado, então, qual o verdadeiro endereço da morada de família, mas imprevistamente respondeu não saber, por, neste preciso momento, não ter, sequer, uma casa para morar, andando, por isso, com equipamentos, bolas e outras bugigangas de um lado para o outro do país, sem rumo, nem destino certo.
Entretanto, pelo liso de relva verdejante entrariam, também, vinte e dois homens repartidos em duas metades vestidas de igual e ainda mais quatro de fardamento diferente. Todos esses causariam ainda maior admiração, porque, apesar do muito frio que se fazia sentir, vestiam calções.
Totalizavam, pois, 26 indivíduos, também todos do sexo masculino, e na grande maioria jovens entre os 20 e os 30 anos.
Quando um dos intervenientes no ritual, vestido de forma diferente dos restantes, apitou um apito estridente, os outros começaram a correr e a chutar uma bola de um lado para o outro, à medida que, nas bancadas, se ouviam vozes e se viam, à vez, festejos e iras, gritos e enxovalhos que seriam pouco razoáveis a qualquer manifestação religiosa, pelo que se tirou a ilação de se tratar, talvez, de gente pouco temente a Deus e mais crente nas ordens e desordens de Belzebu.
Enquanto os homens de calções andavam em correrias, foram-se mantendo nas bancadas as outras 298 pessoas e à medida que o tempo ia passando, como estava muito frio e não se juntaram, preferindo ficar dispersas pelas imensas cadeiras vazias, começou a haver gente a enrolar-se em mantas e, segundo pareceu, a preparar-se para dormir. Não o conseguiram porque outras continuavam a pular e a gritar e não deixavam ninguém sossegar.
A manifestação que, asseguradamente, não era nem de enfermeiros, nem de professores, nem de funcionários públicos, nem de devedores da Caixa Geral de Depósitos, terá durado cerca de duas horas, se considerarmos um quarto de hora em que os de calções foram para dentro de casa e os outros arrearam bandeiras e começaram a comer os mais variados farnéis que tinham levado, tendo-se registado 53 sandes de chouriço, 27 panados, 45 asas de frango, 87 carcaças só com manteiga e um número não apurado de bananas, peros e outras frutas da época.
Quando as 298 criaturas se acharam satisfeitos, saíram a penantes para suas casas. Os treze que ainda iam de regresso ao Minho foram, então, declarados insanos. Os outros tiveram só uma repreensão registada da família.