Aprender com Lobos
Deixaram-me, em 2007, partilhar o espaço sagrado da cabina dos Lobos, e recebi uma lição de entrega e superação que jamais esquecerei
NOS últimos dias de agosto de 2007, estava eu no Mónaco para a cobertura da gala do Golden Foot, da final da Supertaça e do sorteio das competições europeias, quando surgiu a possibilidade de fazer uma incursão nos trabalhos da Seleção Nacional de râguebi, que preparava o Mundial nas montanhas que rodeiam Lyon. Assim, depois de assegurar que seria acolhido no campus dos Lobos, meti-me no carro, arranjei alojamento numa pensão da serra, onde a alimentação (pão, queijo, enchidos e vinho) era do produtor ao consumidor, e mergulhei numa das mais fantásticas aventuras da minha vida profissional.
No primeiro dia com os Lobos conversei com quem muito bem entendi, sendo o dia seguinte marcado pela visita do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e da mulher, Margarida Sousa Uva, entretanto falecida, prima dos Uvas, Vasco, Gonçalo e João. Durão Barroso, que tinha ensaiado uma aproximação ao râguebi nos tempos de juventude, em Almada, aproveitou até um treino para chutar aos postes, com êxito e sem cair…
Seguia-se um jogo de preparação, contra uma seleção da Divisão 3, e pedi autorização, ao António Vieira de Almeida e ao Francisco Martins, para acompanhar a equipa em todos os momentos, nomeadamente dentro do espaço sagrado que é a cabina. Com a autorização superior e o acordo de jogadores e técnicos (Tomaz Morais tinha sido pai e ainda estava em Lisboa, estando a equipa entregue ao argentino Daniel Hourcade), tive o privilégio de viver por dentro o ritual de preparação dos Lobos para a competição e devo confessar que fiquei impressionado.
Durante os muitos anos em que fui futebolista profissional, tendo passado por ambientes prévios de máxima tensão, dificilmente terei encontrado um clima de tanta exaltação, motivação e concentração. Raras vezes vi olhares tão determinados, e tanta disposição para a entrega ao jogo e à equipa, sem limites. Foi essa a imagem com que fiquei dos Lobos, e foi essa imagem que revi na vitória por 16-16 frente aos Estados Unidos. Só assim, num clima quase místico de superação, foi possível voltar a ter uma equipa no Olimpo. O Mundial de 2023 deve servir para desfrutar. Mas, entretanto, faço votos para que seja possível aproveitar o boom que irá seguir-se, e que não houve capacidade para capitalizar em 2007.
PS - Serei sempre grato aos Lobos de 2007 por me terem catequizado para esta fantástica modalidade que é o râguebi, que me despertou para a realidade do eu nunca ser superior ao nós.