Antes confinado do que finado!...
Devo confessar que, no momento em que ouvi, pela primeira vez, falar em confinar, confinado e confinamento, julguei que as expressões não existiam na língua portuguesa. Achei mesmo que nunca as tinha ouvido empregar antes, e tal desconfiança levou-me mesmo a consultar um dicionário, que me esclareceu não só sobre a existência das palavras, como sobre o seu significado, embora este fosse óbvio, dada a situação que estamos a viver: estar limitado, circunscrito a determinado espaço.
Bem ao contrário, desde miúdo que ouvi falar em finados para referir pessoas que faleceram, considerando-se mesmo o dia 2 de Novembro como o Dia dos Finados, com grande significado para os portugueses. Andando maiores ou menores distâncias, o povo português tem, por tradição, homenagear os entes queridos, que já partiram, nesse dia. É verdadeiramente impressionante, como sabem!...
O confinamento obrigatório começou com a declaração do estado de emergência a partir de 18 de Março, dia em que fiz o primeiro teste do Covid-19, que aliás viria a dar negativo, mas que não me deixou descansado. Infelizmente, tinha razões para isso. Digo isto porque a partir desta data, a limitação também é da minha memória: de imediato, não tenho muito bem definidos e ordenados os factos que antecederam o meu internamento no hospital e que levou ao meu renascimento! Não sei mesmo se algum dia terei capacidade para o fazer.
Tenho, no entanto, uma sensação estranha relativamente ao que se passou no desporto em geral, e no futebol, em particular. Vínhamos vivendo um tempo de futebol, todos os dias e a todas horas: futebol ao vivo e pela televisão; futebol jogado, escrito e falado, discutido e criticado e, a maior parte das vezes, pouco pensado. De repente, as televisões como que pifaram relativamente ao futebol: programas deixaram de existir, futebol jogado só o do passado, e apenas o snooker a satisfazer as minhas delicias de espectador, com as tacadas do Trump a fazer esquecer as patacoadas do outro Trump nas conferências de imprensa. Tudo isto ainda entre as paredes do meu quarto no Hospital da CUF da Infante Santo!
Faz amanhã quinze dias, regressei a casa, para este confinamento rigoroso, a que me tenho submetido, sem qualquer tolerância da minha parte, porque este confinamento não tem por objectivo a minha prisão, mas a minha libertação. E ao fim de dois ou três dias estalava na comunicação social a noticia de que a Sporting SAD havia falhado a primeira prestação da aquisição de Rúben Amorim!
A minha primeira reacção, aliás apenas com os meus botões, foi esta: é mesmo azar, pois depois do disparate da contratação, ainda por cima vem esta paragem que, naturalmente, agrava a nossa situação financeira. E foi naturalmente benigna a minha observação, porque a crítica à contratação que ao tempo fiz nada tem a ver com a pandemia. A decisão em si não a apoiei, e continuo a não apoiar, mas obviamente que não a apoiei por causa de uma pandemia que não se previa. Apoiaria a contratação do Ronaldo, se calhar, mesmo com a previsão da pandemia! Sejamos intelectualmente honestos e não liguemos os dois factos, em termos de responsabilidade: a contratação de Ruben Amorim e a pandemia. Só aquela é da responsabilidade da administração da Sporting SAD.
Por outro lado, pensei, como tenho obrigação de pensar, que haveria bom senso de ambas as partes, para resolver esta situação que afecta toda a sociedade, sem distinções de raça, sexo ou clube. Resolve-se com bom senso e com a humildade de reconhecer que aquilo que nos sucedeu hoje pode suceder a outros amanhã, e vice-versa.
Infelizmente, humildade é coisa que não abunda nos dirigentes do meu clube, e, em particular, no Dr. Zenha que, mais uma vez, decide e comunica com uma sobranceria e arrogância que nada resolve, antes complica o que é fácil de solucionar. Arrogância não é sinónimo de inteligência, mas qualquer homem médio percebe que face, a um incumprimento, mesmo em tempo de uma pandemia, não se pode dizer que falar nele é ridículo! A pandemia é para todos, e se for justificação para tudo, então ninguém cumpre nada, e a pandemia torna-se em pandemónio!...
Assim, não posso deixar de perguntar ao Dr. Zenha o que diria ele se fosse dono de uma rulote e lhe aparecesse alguém que bebesse uma ou duas cervejas, comesse duas ou três sandes, e, perante a apresentação da factura, lhe dissesse: tinha fome, já comi e, portanto, não lhe posso devolver nem a comida, nem a bebida, e não tenho dinheiro. Não acha ridículo estar a falar em pagamento?
Na minha modesta opinião o Sporting não está em incumprimento definitivo do contrato, mas apenas em mora, que tem consequências contratuais e legais. O nosso símbolo é o leão, não o rei de uma selva em que se vive como selvagem, antes significando, como dizem os estatutos, a força, destreza e lealdade, que devem constituir apanágio de toda a actuação do SPORTING CLUBE DE PORTUGAL.
Ainda por cima, e isto ainda me custa mais, este tipo de afirmações provocam as falinhas mansas do presidente do Sporting de Braga com as suas tiradas que fazem corar de inveja La Palice, tal é, aqui sim, o ridículo: os contratos são para cumprir! Não deixo de me interrogar se o senhor presidente do Sporting de Braga consegue dizer, sem se rir, que dentro e fora do futebol, sempre cumpriu todos os contratos?
O Sporting Clube de Portugal e o Sporting Clube de Braga disputavam e, possivelmente, disputarão o terceiro lugar na Liga Nos! Que disputam Zenha e António Salvador?
E com esta pergunta termino, porque hoje é tempo de comemoração, e escrever no dia 25 de Abril de 2020 tem, pelas mais diversas razões, um sabor muito especial. Há quarenta e sete anos não podia emitir a minha opinião com esta tranquilidade. Há quarenta e seis nasceu a esperança, ainda hoje realidade, de exprimir a minha opinião com a mesma naturalidade com que se respira!
Costuma dizer-se que é Natal sempre que o homem quer. Que a Assembleia da República comemore hoje o 25 de Abril solenemente, mas o celebre também todos os dias e em todas as sessões. Não há vida sem liberdade, nem liberdade sem vida. 25 de Abril sempre, mesmo confinado! Antes confinado do que finado!...