André e o clube dos antibenfiquistas
UM sucesso europeu do Benfica é, no mínimo, um dia estragado para André Villas Boas. Politicamente incorreto, pouco expectável num profissional de futebol e, sobretudo, assumidamente fanático, mas com a vantagem de, pelo menos, não ser hipócrita e de não se importar de anunciar ao mundo, através do L`Équipe, que não é apenas um incondicional adepto do FC Porto, como é um dos incondicionais adeptos do antibenfiquismo.
As afirmações de Villas Boas ao jornal francês podem parecer mais chocantes porque o treinador se refere especificamente a sucessos europeus. O que, para muitos portugueses, coloca um problema complementar de falta de espírito nacionalista. No fundo, um mau português, porque coloca o seu sentimento pessoal acima do seu sentimento nacional.
Claro que pode ser discutível a relação do interesse nacional com o interesse desportivo. Os países habituaram-se a tratar culturalmente uma grande vitória desportiva como um feito nacional, consagrado na alma do povo e, não raramente, na comenda presidencial e na homenagem do governo. Mas é verdade que os campeonatos mais importantes e os sucessos mais decisivos para um país, não são os desportivos. São os da educação, da saúde, da cultura, da economia, enfim, numa palavra, do conhecimento, algo que se torna de fundamental para que um povo cresça e se desenvolva e afaste, no caso português, o histórico fantasma da ignorância e do isolacionismo.
As declarações de Villas Boas, aliás surgidas em consequência de ter havido um sentimento de felicidade em Marselha depois da derrota do Paris Saint-Germain na final da Champions, têm, a meu ver, um único ponto frágil, na medida em que o sucesso europeu de qualquer equipa portuguesa representa muito na imagem de qualidade do nosso futebolista e do nosso treinador, o que pode ser medido, mais do que em elogios internacionais, em postos de trabalho de companheiros de profissão de André Villas Boas.
Tirando isso, que talvez não seja pouco, há no pensamento do treinador um sentimento comum a centenas de milhares, talvez, mesmo, milhões, de portugueses, sobretudo do Sporting e do FC Porto, clubes rivais do Benfica, e que se sentem unidos por essa aversão ao sucesso daquele que continua a ser o maior clube português, se considerarmos o padrão popular de adeptos e simpatizantes.
Acredito que para a maioria dos benfiquistas, esse sentimento não faça sentido. Percebe-se. Ser-se anti não é afirmativo de nada. Porém, no tempo da ditadura, sobreviveu heroicamente o clube dos anti-regime.
No caso desportivo, existe uma convicção natural de sportinguistas e portistas de que quanto maior o sucesso e o crescimento do Benfica, maior a distância, maior o desequilíbrio, maior a dificuldade em conquistar títulos.
Durante muito anos, a grande rivalidade era apenas entre o Benfica e o Sporting. Hoje, a aliança entre sportinguistas e portistas, que Pinto da Costa não raras vezes promoveu e lucrou, é uma estratégia realista e fundamentada.
Pode parecer inaceitável, numa perspetiva tradicional da moral e da ética desportiva, mas não é, de todo, uma perspetiva surpreendente na lógica de uma sociedade que em todos os domínios, vai conquistando sucessos e vitórias sobre os ombros dos derrotados.
Villas Boas está bem de vida, não precisa de vender uma imagem ecuménica e ao contrário de muitos, não precisa de dizer o que não pensa. A sua declaração poderá ter sido surpreendente, mas não banal. E esse é um mérito assinalável nos tempos que correm.