Agora sou ‘cartilheiro’!
Não, a questão Palhinha não está vedada aos tribunais superiores, muito menos ao Tribunal Constitucional
T ODOS (ou quase todos) sabemos que a palavra cartilheiro não existe nos dicionários de língua portuguesa. Se a procurarem na internet obterão como resposta: palavra não encontrada! E, na realidade, tal palavra foi encontrada para qualificar depreciativamente os comentadores e certos jornalistas que alimentavam, e continuam a alimentar, as redes sociais e a comunicação social com as chamadas cartilhas, isto é, aqueles que seguem, de uma forma acéfala, as opiniões, as ideias, as acções vindas das direcções de comunicação dos clubes ou de outras centrais de intoxicação! Assistimos a verdadeiras vergonhas, estupefactos sobre até aonde pode chegar a degradação da mente humana, apenas por uns cobres ou, como diz o povo, por um prato de lentilhas!...
Os promotores da cartilha mais famosa e afamada têm andado um pouco mais calados, talvez porque agora têm mais necessidade de explicar certas coisas para dentro do que destabilizar para fora de portas. Contudo, bastou o caso Palhinha para, directa ou indirectamente, tentarem fazer circular ideias e opiniões para atormentar as mentes menos esclarecidas. São as bem chamadas «espertezas saloias», que o Dr. Carlos Barbosa da Cruz, denuncia na sua actual coluna no Record: «Ao Benfica não interessa que um cidadão, que por acaso também é profissional de futebol do Sporting, questione a constitucionalidade de uma norma que o descrimina e afeta. Pretende antes, pela calada, puxar a brasa à sua sardinha, sem porém assumir que o faz.»
Felizmente que, neste caso, alguns têm tido algum bom senso e vão dizendo que não gostariam de ganhar na secretaria, nem beneficiar de uma injustiça como foi a do cartão amarelo a Palhinha. Porém, não deixam de ir falando na perda na secretaria dos vários pontos...
Contra esta nova cartilha não há outro remédio que não seja outra cartilha enquanto conjunto de regras ou de indicações e informações a seguir, porque constituem regras constitucionais, legais e regulamentares que importa conhecer e cumprir!
Assim, nunca será de mais esclarecer, para quem não percebeu, não quer ou lhe custa perceber, que quem acedeu ao Tribunal Arbitral do Desporto foi o jogador Palhinha para, pela via do recurso, impugnar uma deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol. Limitou-se a, com base num principio constitucional, exercer o direito que lhe confere a alínea a) do n.º 3 do artigo 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto. Não recorreu a um tribunal comum, como alguns, por ignorância ou má fé insinuam, mas a um tribunal de âmbito desportivo. De acordo com a minha cartilha, convém chamar a atenção de cartilheiros e ofícios correlativos que a Lei que criou o Tribunal Arbitral do Desporto refere expressamente a sua competência especifica para administrar a justiça relativa a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto. Não o criou para desrespeitar a Constituição da República, designadamente, princípios fundamentais!
E neste aspecto, o que mais me indigna não são os comentadores ignorantes ou maldosos, que dão a entender que Palhinha recorreu a um tribunal superior fora da ordem desportiva, mas sim pessoas que têm obrigação moral e funcional de não confundir as coisas, como é o caso de alguém, por quem aliás tenho estima e consideração pessoal - Sónia Carneiro, Directora Executiva da Liga.
Palhinha recorreu para o TAD do cartão amarelo visto no Estádio do Bessa
Na verdade, não foi sem estupefacção que li o artigo publicado em O Jogo, onde, entre outras coisas, afirma, com alguma leviandade: «A intromissão dos tribunais, mesmo - ou sobretudo - os superiores, neste campo que lhes está vedado é indesejável!» E, gozando com situações ridículas a que se poderia chegar, e que nada têm a ver com o caso Palhinha, mostra, além de irresponsabilidade, desconhecimento do que está em causa.
Sónia Carneiro sabe, ou devia saber, que o que está em causa é a inconstitucionalidade do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar da Liga (note-se bem da Liga), e que tal inconstitucionalidade foi declarada, por exemplo, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 10-11-2020, num processo em que foi recorrente o Ministério Público e recorrido o Futebol Clube do Porto. Também o Tribunal Arbitral do Desporto segue este entendimento. A Directora Executiva da Liga devia ter-se preocupado em promover a alteração do regulamento disciplinar da Liga, em vez de escrever artigos com verdades de La Palisse, como a de que «o futebol joga-se dentro de quatro linhas»! É caso para lhe perguntar se o que se passa dentro das quatro linhas corresponde sempre à verdade desportiva e se a corrupção é dentro ou fora das quatro linhas? E fora das quatro linhas, no âmbito do futebol, não se aplica a Constituição da República Portuguesa?
Não, senhora Directora Executiva da Liga, a questão Palhinha não está vedada aos tribunais superiores, muito menos ao Tribunal Constitucional. Era o que faltava os tribunais são se poderem pronunciar sobre as inconstitucionalidades dos regulamentos. E, no caso Palhinha, não há intromissão do tribunal no âmbito desportivo, porquanto é o próprio TAD que prevê, nas circunstâncias, a intervenção do Presidente do TCAS, para julgar da providência cautelar. Escreveu ainda Sónia Carneiro que «o futebol joga-se dentro de quatro linhas por homens - e cada vez mais - por mulheres que também erram». Foi o seu caso, fora das quatro linhas!...
Da minha cartilha constam também os princípios gerais do regime disciplinar impostos às federações desportivas, estabelecidos em decreto-lei, designadamente, a «consagração das garantias de defesa do arguido, designadamente exigindo que a acusação seja suficientemente esclarecedora dos factos determinantes do exercício do poder disciplinar e estabelecendo a obrigatoriedade de audiência do arguido nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar»! A atitude de Palhinha tem a ver com a aplicação destes princípios na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga Portuguesa de Futebol Profissional!
A minha cartilha é essencialmente fundamentada na lei! Mas, actualmente, também tem um conteúdo mais simples e prático, que resulta do discurso do treinador Rúben Amorim.
Desde o inicio do campeonato, e até anteriormente, já seguia com atenção as declarações do aspirante ao quarto nível, mas inspirado treinador. Agora já ponho na minha agenda, para não me escapar, as conferências de imprensa de antevisão dos jogos. Sim, porque das outras, nos fins dos jogos, acho que não perdi nenhuma.
Não deixa nada por responder e responde sempre com um sorriso e muita ironia. É uma pessoa de bem com a vida e com o futebol, de uma forma geral vê o mesmo jogo que nós e analisa sem receio, tanto o que é bem jogado como o que é mal jogado!
Por isso, agora e aqui assumo a cartilha da equipa e do seu treinador, Rúben Amorim! Agora sou cartilheiro do esforço, da devoção, da dedicação, da entrega, da alegria, da sensatez, da prudência e da humildade. E somos candidatos a ganhar ao Portimonense, logo à noite!