Agonia
Estava mesmo a ver-se em que tabuleiro iria continuar a discutir-se a crise do Sporting. Os críticos de Bruno de Carvalho a apelarem à demissão do presidente; e o presidente e seus apoiantes a afirmarem que ‘dali não saem, dali ninguém os tira’. Até parece mentira como chegou o Sporting até este estado diretivo. E até parece mentira que pareça não haver entre os responsáveis sportinguistas o bom senso de se perceber que o que está, há muito, em causa já não é mais o saber quem está ou não está, porventura, do lado certo da barricada mas sim, e apenas, o futuro do clube e a necessidade de o apaziguar.
Não vai ser fácil; a assembleia geral ontem marcada para 23 de junho com o objetivo de colocar nas mãos dos sócios a destituição ou continuidade da direção deverá ser tudo menos serena. E promete dividir ainda mais um Sporting já de alma tão atingida.
Diz sabiamente o povo que o pior cego é aquele que não quer ver, e na realidade parece cada vez mais evidente que há muito quem não queira ver como é cada vez mais profunda esta agonizante tentativa de prolongar um degradante estado de coisas no reino leonino e um insuportável clima de instabilidade, sempre tão inaceitável num clube com a dimensão histórica e a grandeza desportiva do Sporting.
Procura o presidente do Sporting defender o seu lugar com unhas e dentes. Volta a querer passar a mensagem de não ter qualquer responsabilidade sobre nada do que conduziu a este estado de coisas. Fala em medidas que poderiam perturbar o normal funcionamento do clube e da SAD, como se fosse possível passar uma esponja sobre todos os atos, medidas e acontecimentos que perturbaram, e gravemente, o normal funcionamento do clube da SAD e que já toda a gente percebeu quem não pode deixar de assumir responsabilidades.
Foram abertas, sobretudo nos últimos dois meses, demasiadas feridas no Sporting e algumas dessas feridas imaginam-se como verdadeiras feridas de morte. Já ninguém tem dúvidas, para falar apenas do universo do futebol leonino - a mola real, como se sabe, de tudo isto -, das incompatibilidades criadas entre presidente e equipa técnica e entre presidente e jogadores, e ainda, por fim, entre presidente e nomeadamente muitas das principais figuras públicas que sempre o apoiaram.
O Sporting partiu-se. Está demasiado fraturado para poder admitir-se uma solução de compromisso porque qualquer solução de compromisso significaria sempre uma espécie de paz sem qualquer descanso. A sempre indesejável paz podre.
Está o Sporting num momento tão doloroso que, evidentemente, nada do que lhe possa acontecer parece já ser uma boa solução. O melhor, pois, será mesmo dar a palavra aos sportinguistas para que sejam eles a definir e a determinar o que deve ou não ser o futuro imediato do clube.
Mas a questão não é, sublinho, a de se saber se tem ou não o atual presidente legitimidade para continuar a ser o presidente. A questão é mais profunda, e trata de saber se tem ou não o atual presidente condições para continuar a ser o presidente num clima aparentemente tão desfavorável e sobretudo num cenário de tão graves divisões, tão profundas incompatibilidades e tão evidentes fraturas.
Assistem os sportinguistas, certamente com profunda mágoa e desolação, a um braço de ferro que tem tudo para acabar ainda pior do que começou, com inevitável prejuízo para o clube e, sobretudo, sublinha-se, para o futuro imediato do clube.
Para o presidente leonino, a responsabilidade é de todos menos... do presidente. Voltou a exibir ontem essa convicção, com muita demagogia à mistura e muita daquela habitual arrogância para com os jornalistas e respetivos meios de comunicação, em mais um dos seus famosos monólogos, gorando de novo a expectativa de quem pudesse esperar, apesar de tudo, vê-lo, num pingo de humildade, reconhecer alguma responsabilidade no estado a que tudo isto chegou, pelas inúmeras ocorrências que, muito ao contrário do que parece, não começaram há dois meses mas há muito mais do que isso, sempre sucessivamente disfarçadas, porém, pela habilidade de um presidente pelos vistos vocacionado para tentar dominar assembleias gerais pelo dom da oralidade e pela estratégia de desgaste dos longos discursos.
Não reconhece o presidente do Sporting a mais pequena responsabilidade na crise. O que já diz muito. E só lhe fica mal.
Disse José Mota após vencer a Taça de Portugal que os meios de comunicação faltaram ao respeito ao Desportivo das Aves. Um absurdo, pelo menos na minha opinião. Mas creio que José Mota faltou, ele sim, ao respeito ao Sporting, ao ser incapaz de ter uma única palavra para um adversário que jogou no Jamor nas condições em que jogou e depois de viver a semana que viveu. Ganhou José Mota a final com mérito? Claro que sim. Mas não ganhou a final em circunstâncias normais e devia ter tido a noção disso. Não teve. E isso só lhe fica mal.
O presidente do Vitória de Setúbal, Vítor Hugo Valente, disse há uma semana, em entrevista ao jornal O Setubalense, que o clube não tem salários em atraso e criticou as acusações que lhe têm sido feitas. O que lhe fica mal não é, naturalmente, ter a responsabilidade por eventuais salários em atraso. O que lhe fica mal é negar o inegável. É defender o indefensável. É parecer que tapa o sol com uma peneira. Como se a época do Vitória tivesse corrido toda em circunstâncias normais e nada tivesse faltado a treinadores e jogadores. É preciso ter lata!
Manuel Pereira Ramos é, há décadas, correspondente de A BOLA em Espanha e há décadas que serve a informação e o espírito deste jornal de forma absolutamente exemplar, pela extrema dedicação, pelo amor à causa do jornalismo, pela paixão ao desporto e pela humanidade com que sempre se ligou a companheiros e amigos de tantas jornadas nessas décadas de relação com diferentes gerações de jornalistas que vêm procurando ao longo dos anos manter A BOLA como o jornal de referência que os portugueses nunca deixaram de reconhecer.
Já lá vão mais de 35 anos desde que conheci Manuel Pereira Ramos, o Dom Manuel, como carinhosa e respeitosamente o trato. Foi num dia de setembro de 1982, e estávamos ambos em trabalho na andaluza e quente cidade de Sevilha, acompanhando então uma equipa portuguesa em mais uma jornada de competições europeias de futebol.
Era eu ainda um jovem jornalista em princípio de carreira e era já dom Manuel um sénior correspondente de A BOLA, com invejável e destacada posição social e profissional na comunidade espanhola, em geral, e madrilena em particular.
Tive, desde então, o privilégio de partilhar com dom Manuel incontáveis e inesquecíveis momentos profissionais ou de simples convívio, e sempre dom Manuel se revelou um homem de um companheirismo ímpar e de uma sensibilidade no mínimo invulgar, difícil até de descrever nestes tempos em que tudo parece tão efémero e tão desprendido, tão frágil e tão superficial.
Com dom Manuel me habituei a sentir-me melhor jornalista e, sobretudo, melhor pessoa sempre que regressei a casa após cada uma das muitas viagens que o jornalismo me fez realizar ao país vizinho.
É por tudo isso que não pude deixar de sentir enorme orgulho ao saber que dom Manuel acaba de ver reconhecido o trabalho de décadas e a profunda humanidade do seu caráter pelo Clube Internacional de Imprensa, em Espanha, como o mais destacado correspondente no país.
É um prémio dado, aliás, a uma personalidade que já ocupou também a presidência do referido Clube Internacional de Imprensa, que no reconhecimento agora revelado faz ainda referência ao estilo pessoal e jornalístico de dom Manuel como algo que já deixou profundas marcas nas relações hispano-portuguesas.
dom Manuel deve saber como fiquei feliz!
PS: Joga-se amanhã mais uma final da Liga dos Campeões. Para nós, é mais uma final especial, pela fantástica presença terceira presença consecutiva de Cristiano Ronaldo. Oxalá o sabor possa, no fim, ser ainda mais especial. Não posso deixar de torcer por isso.