Afinal, quem manda?
Luís Filipe Vieira escolheu Jorge Jesus para bandeira eleitoral e não foi com ligeireza que o fez. O tema foi tratado com tempo suficiente para eliminar todas as dúvidas e nada ficar por esmiuçar quanto às ambições do clube contratante e às exigências do treinador contratado no sentido de se alcançar um objetivo comum, naturalmente vencedor, e definir o rumo para lá chegar. Acredito que houve essa preocupação, mas algum pormenor está a falhar.
Vieira resolveu desembaraçar-se do novato Lage a partir da altura em que, com a temporada futebolística de 2020 fracassada, deixou que fosse queimado em lume brando por temer a candidatura de uma lista opositora forte que pudesse colocar em causa o seu triunfo eleitoral, quanto a mim desde sempre assegurado. A opção de recontratar o génio Jesus foi da sua inteira responsabilidade, porque quis e não porque precisasse de o fazer para continuar a merecer o apoio da larga maioria dos associados benfiquistas.
Jorge Jesus representou bem a sua parte na cerimónia de apresentação. Com a soberba que o caracteriza, prometeu que o Benfica iria jogar o triplo e praticar um futebol de arrasar. O povo ficou à espera, expectante.
Hoje, a quatro dias do Novo Ano, conclui-se que 2020, na modalidade de futebol, como anteontem escreveu em A BOLA o professor Fernando Seara, foi um ano de total desilusão desportiva: «O que importa é arrancar 2021 com firme vontade de vencer. Com fome de vitórias. Com fé em permanentes conquistas. E não começar 2021 com novas desculpas, a mesma resignação ou repetidos sofrimentos.»
Vontade de vencer que o próximo mês de janeiro vai proporcionar em abundância: Benfica-FC Porto (14.ª jornada, a 17), Sporting-Benfica (16.ª, a 31) e SC Braga-Benfica (Taça da Liga, meias-finais, no dia 20). Depois se verá, sendo certo, porém, assim expressa a realidade, que, excluindo a feira mediática, o que estava mal com Lage, mal continua com Jesus e já no consulado deste se desbaratou a entrada na Liga dos Campeões diante de um adversário de segunda categoria, embora treinado por um português de primeira, Abel Ferreira, que deixou o mais iluminado da tática de mãos vazias.
Existe um problema. Jesus não está a dar conta do recado, mas jamais o admitirá, e Vieira sabe que vai ter de gastar o que não contava para lhe satisfazer os caprichos. Sim, porque são caprichos. Uma coisa é não gostar dos que estão, ou de alguns, mas isso devia ter ficado bem identificado quando aceitou regressar, generosamente pago. Outra coisa é dar crédito aos nomes que andam nas páginas dos jornais para substituir os que o treinador quer ver porta fora. Como ele teima no modelo de jogo utilizado, um médio de qualidade faz falta, é claro que faz, mas, sublinho, de qualidade, o que não significa ter de ser muito caro.
Não adivinho as próximas cenas, mas o presidente benfiquista conhece o treinador/amigo melhor do que ninguém e sabia ao ia quando resolveu trazê-lo de volta. Agora, ature-o.
Outro problema foi o que Luisão provocou, ao exorbitar as suas funções, sejam elas quais forem, descontrolando-se e de dedo em riste apontar culpas pela derrota na Supertaça não só a jogadores, mas também ao treinador, por omissão de autoridade, e ao administrador, pelo cara-a-cara transmitido em direto pela televisão.
Foi um incidente lamentável, que deu má imagem do Benfica e traduziu um défice de autoridade na cadeia de comando que importa corrigir no imediato para não se repetir nunca mais. Depois do que se noticiou sem alguma correção oficial sobre o que se foi escrevendo, dizendo e comentando acerca da iminente saída do diretor-geral Tiago Pinto e da promoção do antigo capitão para o banco de suplentes por ser essa, supostamente, a preferência de Jesus, não foi de todo inesperada a atitude de Luisão.
O que surpreendeu, porém foi o alvoroço com que a tomou e, sobretudo, a forma desabrida como encarou Rui Costa, sabendo, ou devendo saber, que o seu comportamento estava a ser testemunhado por milhões de pessoas. Felizmente, para o bom nome do emblema da águia, o administrador e vice-presidente do Benfica manteve a serenidade que a situação reclamava, tomando o treinador a iniciativa de afastar Luisão («A dada altura pareceu zangado enquanto conversava com Rui Costa - mesmo não se sabendo o que se discutia foram visíveis gestos largos do brasileiro e a aproximação de Jesus para acalmar a situação» (A BOLA, edição de 24 de dezembro ).
jesus pretende desvalorizar o assunto e, ontem, em conferência de Imprensa, comunicou que Luisão se sentará hoje no banco, tal como… daqui em diante, até porque, segundo ele, a ideia partiu de Rui Costa. Enfim, a trapalhada continua. O treinador, em vez de se concentrar na projeção do jogo com o Portimonense, ousou seguir por caminhos que deveria inibir-se de trilhar, mas não o fez. Por imprudência ou de propósito apenas ele saberá.
A obra do presidente, traduzida no extraordinário crescimento do clube durante os seus mandatos, colocando-o na primeira linha, a par dos melhores da Europa e do Mundo, atesta o seu amor pelo Benfica. Não precisava de andar para trás, mas foi assim que decidiu. Agora, para tranquilidade da família benfiquista e colocar ponto final neste caso, impõem-se as respostas que só ele pode e deve dar: afinal, quem manda? Em quê e em quem? Qual a extensão da autoridade de Jesus? Qual a intervenção de Luisão e com que poder? Qual o papel de Rui Costa, molestado por toda a situação, mais a incontinência verbal do treinador?