Afeganistão
Tanta coisa que dá pena: o sítio de onde vêm, para onde vão... E o futebol a medir
UMA coisa admirável no horror é que nos parece sempre novo. O melhor exemplo será o holocausto: já todos lemos, vimos, visitámos locais relacionados, mas sempre que algo, um documentário, um relato de vítima, um detalhe esquecido, é recuperado, parece que nos estão a mostrar tudo aquilo pela primeira vez. Acontece isto com estes talibãs do Afeganistão, homens que pensam com a ponta da metralhadora - e que chegam a dar pena; como é possível que gente tenha sido conduzida, também pela miséria e privação, a ser assim? -, a respeito dos quais o que mais me perturba é a assunção ignorante de uma qualquer liberdade religiosa. Sim, liberdade religiosa se falamos de liberdade de culto, da prática, de educação dos filhos; é, aliás, uma liberdade consagrada nos direitos humanos. Sacrificar crianças ou bater em quem quer que seja, ou sujeitar mulheres a humilhações e vidas aprisionadas - e por mais que delas só se vejam os olhos, basta ver-lhes os olhos para se ver a infelicidade -, choca com vários (com quase todos) os outros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O futebol é um detalhe - e neles está o diabo, diz-se. Morreu um futebolista, que da seleção do Afeganistão, Zaki Anwari, que tentou sair do país agarrado à fuselagem de um avião americano. A capitã da equipa feminina afegã, Khalida Popal, pediu, pelo Guardian, às mulheres locais que, por segurança, não apenas deixem de praticar desportos como queimem os equipamentos que tenham em casa e que provem que antes o fizeram.
Já se sabia que era assim, claro, já o foi antes, noutros locais - gosto de acreditar que de forma cada vez menos cruel - ainda o é, porém há sempre o tal espanto da novidade. Se me perguntassem quem era Zaki Anwati Khalida Popal eu não saberia, porém acaba por ser sempre o futebol o melhor dos exemplos, a medida das coisas. Não haverá algo mais livre do que jogar futebol.