Adeus, Bruno Fernandes. Os que vão penar te saúdam
Ave César, morituri te salutant (ou Avé César, os que vão morrer te saúdam) foi uma frase célebre, em latim, citada pelo escritor e historiador Suetónio no livro conhecido por Os Doze Césares, escrito em 121 d.C. Nessa obra indispensável ao estudo da História, Suetónio conta que durante uma batalha naval simulada, em que cativos e criminosos lutavam até à morte (espetáculo apreciado na altura), aqueles que iam combater gritaram aquela frase a Cláudio, imperador romano que sucedera ao mal-afamado Calígula. Cláudio terá respondido apenas «ou não».
Penso que no Sporting é uma forma apropriada de nos despedirmos de Bruno Fernandes. Não porque vamos morrer, mas porque sem ele vamos penar. Apesar de ser daqueles que entende que o clube fez bem em vendê-lo, tendo em conta as circunstâncias, também não teria a falta de senso em afirmar que Bruno não faz falta à equipa. A qualquer equipa que seja na Europa e no mundo.
Vamos penar e já em Braga. Significa isso que estamos condenados? Bom, é mais fácil colocar as fichas na casa da derrota do que na da vitória. E, no entanto… a esperança é a última a morrer.
Podemos ter essa esperança porque ultimamente o Sporting era brunodependente. Agora cada jogador sabe que não conta com ele como uma espécie de boia de salvação ou porto seguro a quem passar a bola quando se vê aflito. Agora Vietto pode jogar atrás do ponta de lança, que obrigatoriamente vai ser Sporar ou Pedro Mendes, a menos que a SAD ainda desencante um outro até amanhã. Não é que não fizesse falta, sobretudo tendo em conta a extensão da lesão de Luiz Phellype, mas duvido que haja tempo e dinheiro para se arranjar alguém de qualidade suficiente.
Agora Jovane pode ser mais usado, Camacho, que tem dado boas provas, pode superar-se e no meio campo pode ser que Doumbia e Wendel sintam a responsabilidade de não ter o pronto socorro. Acuña, que se ficar será o único jogador com provas realmente dadas, terá mais trabalho, até porque Borja, depois do golo contra o Marítimo, na passada segunda-feira, pode ser que se motive. Enfim, nada é certo, Bruno far-nos-á falta, mas nem o Sporting está em condições financeiras de ter um jogador como ele, nem pode nem deve limitar a carreira de um homem que tão leal e dedicado lhe foi.
Uma questão de fé…
Enfim, o Sporting que esta semana até conseguiu chegar ao seu tradicional terceiro lugar, embora a diferenças estratosféricas dos tradicionais competidores, continua a poder sonhar. É o que os sportinguistas têm feito nos últimos tempos. Porém, no meio do sonho, podemos falar de algumas realidades menos simpáticas. Por exemplo, o segundo golo que nos foi anulado no jogo contra o Marítimo.
Se no primeiro golo anulado pelo fiscal de linha e pelo VAR, por acaso um belo gesto técnico de Coates, havia um evidente fora de jogo do central, o segundo, que se baseia num empurrão de Sporar a Renê é de bradar aos céus. E aposto singelo contra dobrado que, caso não fosse o recém-chegado Sporar e o Sporting nada teria sido marcado, porque na realidade nada se passou. O avançado esloveno, a mais nova contratação, avança para a área e toca de facto em Renê. Mas não o empurra, nem o impede de jogar a bola, que aliás não andava por ali perto. A verdade é que Borja centra chegado à baliza, o guarda redes do Marítimo, Amir Abedzadeh, não segura a bola e Rafael Camacho faz a recarga para o fundo das redes. O avançado do Sporting e o central do clube do Funchal acompanhavam a jogada e nem um nem outro intervieram nela. Claro que um empurrão sem bola deve ser sempre sancionado, mas o mais interessante é que não houve qualquer empurrão, mas uma mera disputa pelo terreno. Sporar quer chegar à bola cruzada por Borja e Renê trava claramente à sua frente, provocando o contacto físico. Depois, no que me parece uma ação teatral, o defesa maritimista entra às cambalhotas pela baliza.
A questão é que os sportinguistas veem no seu estádio e nos seus jogos serem aplicados critérios tão rigorosos e jamais aplicados a outros que não podem deixar de estranhar. A realidade é esta: depois de anos de domínio do Porto nas estruturas do futebol, o Benfica voltou à sua condição dominante, nomeadamente nas arbitragens. E isso é bastante deprimente para um clube que tem de somar essa dificuldade às inúmeras outras (falta de dinheiro, falta de direção firme, um julgamento a decorrer, uns saudosistas de um presidente expulso que prejudicou a equipa, uma série de egos, etc. etc.).
Duas notas disciplinares
Rogério Alves, presidente da mesa da Assembleia Geral, decidiu pedir mais esclarecimentos aos promotores de uma AG com vista à destituição da Direção do Sporting. Penso que o tempo escolhido pelo presidente da Mesa é acertado. A resposta, seja qual for a que dê, teria um péssimo timing se fosse agora, em plena janela de mercado, com Bruno Fernandes a sair e a equipa a reestruturar-se. Há uma frase com que muitos sportinguistas enchem a boca que é «os superiores interesses» do clube. Penso que Rogério Alves pensou neles e mal seria se o não fizesse.
De resto, a petição não tem, do meu ponto de vista, pés nem cabeça. As razões aduzidas para demitir a Direção parecem-me toscas, mal elaboradas. Vejamos: se os maus resultados, as más contratações e o não cumprimento de promessas eleitorais são razões suficientes para acionar toda a máquina necessária para pôr de pé uma Assembleia Geral e mobilizar milhares de sportinguistas para se pronunciarem sobre a demissão de uma Direção, convenhamos que o facto de existirem eleições deixaria de ser necessário. Porquê? Porque o tempo a que se candidata uma Direção, seja ela qual for, está previsto estatutariamente. O que significa que, tacitamente, os sócios deram um prazo de quatro anos para cumprir os objetivos a que se propôs. Ao fim de ano e meio concluir que as promessas não foram cumpridas é, seguramente, cedo de mais.
Isto não significa, como compreenderá quem acompanha o que tenho escrito, que esteja particularmente entusiasmado com o rumo que esta Direção está a imprimir ao clube. Não se trata disso, mas sim de ser justo. Por não estar contente, recomendei aqui ao presidente da AG que usasse da sua influência para tentar mudar algumas coisas. Mas manifestei-me - e manifesto-me - completamente contra a destituição em AG da atual Direção. A menos que existam violações dos estatutos ou dos deveres básicos do Conselho Diretivo ou do seu presidente, penso que esse recurso deve ser afastado. Por isso se exige justa causa e por isso o presidente da AG deve decidir se essa justa causa existe.
A segunda nota é que apreciei a disponibilidade de Bruno de Carvalho, demitido e expulso do Sporting por margens superiores a 2/3 dos votos em AG, para liderar (gratuitamente) a SAD. Depois do que temos ouvido no Tribunal de Monsanto; depois de conhecermos os danos que causou ao Sporting, parece haver quem não aprenda e não se enxergue. Algo que é deveras lamentável.