Acender fogueiras para esconder incêndios
1 - Todas as semanas, sem falhar, essa instituição acima de toda a suspeita que se chama Sport Lisboa e Benfica põe cá fora um comunicado em que acusa o seu único rival, neste e nos últimos anos, de recorrer a toda a espécie de tropelias para conseguir manter-se na luta taco-a-taco com o rival da Estrada da Luz. Ao mesmo tempo que acusa os árbitros de estarem mancomunados com sucessivos - aliás, semanais - atentados ao que chama a «verdade desportiva», consumados em favor do FC Porto, e, do mesmo passo, acusa a Liga e a Federação de serem coniventes com tal despautério. Não fosse tão alargada coligação de cumplicidades no exercício da batota, reclamam e suspiram eles, e o Sport Lisboa e Benfica reinaria, tranquilo e incontestado, dono e senhor do futebol português, conforme o justifica a sua evidente superioridade, demonstrada, ano após ano, aquém e além fronteiras.
Se o mundo a que se dirige esta esforçada blietzkrig da propaganda benfiquista fosse constituído apenas por idiotas crédulos ou por gente notavelmente desinformada, talvez valesse o esforço. Se desse para imaginar que cá fora ainda há alguém que ignora que a honrada instituição Sport Lisboa e Benfica vive aterrorizada por um oceano de suspeitas, acusações e indícios, vindos de vários lados e de várias fontes, e que de forma íntima associam o clube à prática recente de tudo o que pode haver de mais grave em matéria de atentados à tal «verdade desportiva» por ele tão apregoada, então, sim, seria possível imaginar que esta febre comunicacional do SLB não visa outra coisa que não acender fogueiras ao vento como forma de esconder o grande incêndio que lavra nas traseiras da Estrada da Luz. Um incêndio que só poderá ser apagado pela Justiça e por uma de três formas: pela absolvição total das suspeitas e acusações já pendentes; pela inversão do ónus dos investigadores, qual é o de perseguirem a mensagem e não os mensageiros; ou pelo arrastar no tempo, indefinidamente, das investigações, até que prescrevam ou os prazos processuais ou a memória dos homens. Veremos que tipo de vitória ou de derrota o Benfica conseguirá afinal. Sendo certo que talvez nunca o clube tenha enfrentado um desafio tão importante como este na sua longa história. E sendo certo igualmente que não é com os seus comunicadozinhos a discutir penáltis que o clube pode esperar fazer esquecer o incêndio que lavra no mais secreto do seu templo. A menos que nos tome a todos por idiotas.
2 - Sábado passado, em Braga, aos 88 minutos de jogo e numa jogada que não conduziria a resultado algum, Corona entrou inadvertidamente de carrinho aos pés de um adversário. Mas, no último momento, encolheu a perna, dobrando-a toda para trás e evitando o contacto: a imagem televisiva, tirada de trás, não me deixou qualquer dúvida de que não houvera contacto algum. Mas aqui, em A BOLA, Duarte Gomes foi de opinião diferente e também o foi o jornalista que fez o relato do jogo. Foi quanto bastou para que o jornal, em bloco, assumisse como doutrina que fora perdoado um penálti ao FC Porto, chegando Vítor Serpa a escrever, na esteira do comunicado do Benfica, que havia uma tendência das arbitragens para favorecer este ano o FC Porto (esquecendo-se, porém, que Duarte Gomes também referiu um penálti anterior não assinalado a favor do FC Porto). Temos, pois, que com base em duas opiniões da casa, A BOLA estabeleceu uma doutrina, tida como indiscutível: foi penálti. Fui então ver outras opiniões, que não clubísticas: desde logo, o árbitro, o único em cima da jogada, e o VAR: não foi penálti. Mais os dois comentadores da Sport TV: não foi penálti. Mais os dois «especialistas» de arbitragem da mesma Sport TV, que analisam os lances duvidosos com recurso a seis câmaras: não foi penálti. Mais os três ex-árbitros do painel de O Jogo: não foi penálti. Ou seja: nove opiniões não-clubisticas todas coincidentes: não foi penálti. Como é que A BOLA pode estabelecer como doutrina e verdade adquirida o contrário, apenas com base em duas opiniões internas?
3 - No seu comunicado sobre esse jogo, o Benfica atirou-se à arbitragem de Jorge Sousa em termos que sugeriam que ele deliberadamente beneficiou o FC Porto. Curiosamente, foi o Fernando Guerra, insuspeito de afinidades com os portistas, que, no seu texto de ontem, me recordou que Jorge Sousa foi o mesmo árbitro que, há três semanas, arbitrou o decisivo FC Porto-Benfica. Desse jogo, porém, não guardaram os benfiquistas, certamente, quaisquer más memórias da arbitragem, antes pelo contrario: só podem agradecer a Jorge Sousa o seu largo e generoso critério ao deixar passar o encosto de Seferovic em Manafá, que terminou com o defesa portista por terra e o cruzamento do suíço para o golo de João Félix, assim como o encosto de Samaris nas costas de Brahimi dentro da área benfiquista, deixado passar por Jorge Sousa como se de carga de ombros se tratasse. Como escreveu Margueritte Yourcenar, nas Memórias de Adriano, «a memória da maior parte dos homens é um cemitério abandonado»...
Mas como então aqui registei, se bem que aqueles dois lances do FC Porto-Benfica me tenham deixado muitas dúvidas e até perplexidade por constatar a ligeireza com que eles foram analisados pelos comentadores de arbitragem, não atribuí a isso a causa da derrota do FC Porto, mas sim a erros próprios e mérito alheio. Da mesma forma que julgo que qualquer exercício de análise honesto ao jogo do FC Porto em Braga, sábado passado, terá forçosamente de concluir que o Porto foi a única equipe que, de princípio a fim e contra as vicissitudes do jogo, o quis ganhar, enquanto que o Braga apenas quis que o Porto o não ganhasse. O Porto jogou por si e para si, o Braga pareceu jogar por outrem. Acho que me faço entender, mas adiante veremos.
4 - Ontem à noite, de regresso a Braga, apenas quatro dias depois, Sérgio Conceição fez o que tinha de fazer: poupar jogadores, neste ciclo terrível de seis jogos em 18 dias, quatro dos quais fora de casa, sendo dois em Braga e um em Liverpool. E assim, os portistas puderam experimentar uma estranha situação de estar do outro lado do campo: do lado dos que só defendem e jogam com a sorte do jogo. Empatámos, graças a mais um golo de canto - sinal de muito trabalho de treino e o mérito de termos dois exímios cobradores desses pontapés: Alex Telles e Corona. De resto, várias confirmações negativas, que podem acabar por ser positivas, assim Sérgio Conceição queira ver o que todos vimos. Primeiro, que não é possível adiar mais a reforma de Maxi Pereira, uma avenida exposta a todos os ataques: é incompreensível que ele prefira apostar em quem há muito passou o prazo de validade, aos 36 anos, em lugar de apostar num jovem da cantera. Depois, a confirmação de que Fabiano é um susto absurdamente recuperado. Espero bem que Sérgio não caia no erro clássico de apostar nele para a final da Taça, repetindo o que Nuno Espírito Santo fez quando entregou a baliza a Helton e a Taça ao SC Braga, da última vez que estivemos no Jamor: não há tradição mais estúpida do que esta, que privilegia o direito de figuração do guarda-redes suplente sobre o direito dos adeptos a um título. A seguir, a confirmação de que Fernando Andrade talvez tenha alguma utilidade para ajudar a defesa em horas de aperto, mas no ataque é um caso chocante de falta de talento e de inteligência de jogo. André Pereira é zero. E Óliver é muita pose e pouco futebol (concordo plenamente com Paulo Teixeira Pinto: só faltava que o Atlético de Madrid, que, além deste, só nos impingiu maus negócios, e que acaba de vender o lateral-esquerdo Hernández ao Bayern por 80 milhões, nos levasse o Alex Telles, bem melhor que o Hernández, com um desconto de 25%!).