Aceitem que dói menos
O Sporting foi goleado pelo City como o FC Porto havia sido goleado pelo Liverpool e o Benfica pelo Bayern. Estão noutro patamar
O City não é o Dortmund e o campeão inglês encontra-se em modo cilindro compressor. Ontem, em Alvalade, o multimilionário exército de Pep Guardiola passou por cima do Sporting com facilidade, ganhou de goleada e assegurou a qualificação para os quartos de final. O campeão nacional até entrou muito bem no jogo, mas durou pouco mais de cinco minutos a ilusão dos adeptos, o tempo de Riyad Mahrez acertar o primeiro golpe, num lance em que contou com alguma complacência da defesa sportinguista - houve jogadores que presumiram que havia fora de jogo e que o árbitro o ia assinalar. O segundo golpe veio poucos minutos volvidos num remate espantoso de Bernardo Silva - que golaço! - e o leão acusou naturalmente o soco. Bastou um quarto de hora para os adeptos perceberem a diferença entre jogar contra um FC Porto ou um Benfica e jogar contra uma das três melhores equipas do Mundo - porventura a melhor, neste momento. Que fluidez, que velocidade, que perigosidade no futebol dos ingleses! Talvez Rúben Amorim tenha mostrado um respeito excessivo pelo adversário, mas é um facto que os adeptos sportinguistas, ontem, sentiram a mesma impotência dos adeptos portistas quando o Liverpool goleou no Dragão, a mesma impotência dos adeptos benfiquistas quando o Bayern goleou na Luz. Estamos tão longe deles…
No caso do City, carregado de grandes executantes viciados na dinâmica infernal da Premier, viu-se ontem, mais uma vez, como é difícil travá-los. Jogam de olhos fechados, sabem tudo sobre o jogo e comportam-se como se não pudessem ser surpreendidos. Deve ser desmoralizante tentar emperrar uma equipa assim. O progressivo desnorte leonino foi penalizado com mais golos e houve, por alturas do soberbo quinto golo de Sterling, quem lembrasse a goleada sofrida com o Bayern (0-5) na outra vez que o Sporting chegou aos oitavos de final da Champions. Único ponto positivo, a extraordinária comunhão dos adeptos sportinguistas com a equipa nos instantes finais do jogo, manifestação de carinho que surpreendeu o próprio Guardiola.
Enfim. Não há remédio para um resultado destes, apenas aceitar (dói menos) que o futebol português de elite está a anos-luz do grande futebol europeu, como os nossos três grandes amargamente perceberam nos duelos travados com Liverpool, Bayern e City. Mais tempo útil de jogo e menos tempo gasto com fitas, simulações e teatros talvez fosse um bom começo para tentar encurtar o fosso. Alguma coisa tem de ser feita. A alternativa é continuarmos a ser alegremente cilindrados pelas equipas de topo.
No outro jogo, destaco o penálti falhado por Messi que só não custou a vitória do PSG sobre o Real Madrid porque Mbappé faturou na compensação (1-0). Em Old Trafford, num jogo em atraso da Premier, o medíocre Manchester United levou a melhor sobre o Brighton (2-0) com um golo de Cristiano Ronaldo, que não marcava há seis jogos, e outro de Bruno Fernandes. Menos mal.
Diferença entre Sporting e Man. City ficou bem expressa no resultado final
AGARRA QUE É LEÃO
O Milan subiu ao topo da Série A italiana graças a um grande golo de Rafael Leão que lhe valeu gorda manchete na Gazetta dello Sport [Re Leao!] e mais elogios (e um aviso) de treinador Stefano Pioli [«É um jogador extraordinário, mas não pode descansar sobre os louros»]. O golo de Rafael foi de uma simplicidade exemplar: passe do guarda redes, aceleração, tiro, três toques no total; fez lembrar outros que o grande avançado liberiano George Weah marcou com aquela camisola nos anos noventa. Rafael, 22 anos, começa a mostrar o potencial que muitos (Jorge Jesus incluído) lhe adivinhavam como jogador verdadeiramente de top - tem estampa atlética, velocidade, ginga e agora também tem golo, sempre o mais importante num avançado.
Em Liverpool, há outro dianteiro português a justificar manchetes e elogios do treinador. Trata-se do incrível Diogo Jota, segundo melhor marcador da Premier que, aos poucos, está a transformar-se num dos melhores avançados da actualidade.
A maneira como se movimenta na grande área e o instinto de golo cada vez mais apurado - lembra o grande Gerd Mueller no pragmatismo assassino, não inventa nem adorna: faz; e faz com os dois pés e com a cabeça - são uma benesse para uma equipa que por acaso até tem mais avançados de excepção. O salto qualitativo que Jota deu em Anfield tem obviamente o dedo de Jurgen Klopp (disse ele do português: «Desde que chegou deu mais um passo e tornou-se num avançado de classe mundial»), mas neste jogador, ao contrário de Rafael Leão, percebia-se outro foco, outra mentalidade.
Bom. Falta pouco mais de um mês para as finais de acesso ao Mundial do Catar. Com a Turquia (24 março) e, previsivelmente, Itália (29 março). Que Fernando Santos encontre a inspiração que não tem faltado a Jota e Leão para atacar esses jogos da maneira que se impõe. Matéria prima não falta.
NÃO VAI MUDAR
G ESTOS obscenos, ameaças verbais, empurrões, estaladas, pontapés, murros e até uma bala (!) no relvado do Dragão, num regresso deplorável em direto e ao vivo ao espírito vale-tudo que marcou o FCP dos anos oitenta e noventa. Depois, a lavagem da roupa suja em público e a inevitável contabilização e comparação de malfeitorias. É assim o terceiro mundo.
Um árbitro suspeito de ter recebido parte de dois milhões do saco azul do Benfica de Vieira & Soares de Oliveira para fins alegadamente pouco católicos.
Ele assume ter recebido o dinheiro, sim senhor, mas adianta ser tudo «uma coincidência», seja lá o que isso significar (além do óbvio: mais uma). É assim o terceiro mundo e enquanto aguardamos por uma reacção, uma frase, qualquer coisita por parte da Federação e da Liga que nos façam acreditar que alguém viu o que se passou no final do clássico, retenho o desabafo de Rúben Amorim: «O futebol português não vai mudar».