Acacianos!...
Eu juro que tinha decidido mudar o sentido das minhas crónicas. Era essa a minha intenção e, por isso, parti do tema folclórico do só falta o Vieira para um tema sério que devemos tratar de forma séria, porque, modéstia à parte, acho que é um tema que deve interessar a todos os clubes, cujo futebol é gerido, digamos assim, por uma SAD. Concretamente, abordei o problema da governance, concluindo que as sociedades anónimas desportivas não podem ser geridas pelas massas, nem os seus dirigentes se podem dar ao luxo de tratarem os adeptos como atrasados mentais, em conferências de imprensa que, para além do seu lado folclórico e cómico, são de um cinismo e hipocrisia que só não dão vontade de rir porque revelam uma fragilidade mental que só pode merecer dó! «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus», como diz o evangelho segundo S. Mateus. Só que este falava dos pobres em espírito e eu refiro-me aos pobres de espírito, que não é bem a mesma coisa. Na verdade, quando falo em pobres de espírito refiro-me a falta de qualidades intelectuais, falta de inteligência, falta de carácter, de aptidão, de opinião. Só não são pobres de espírito no sentido de que não têm graça, porque normalmente o ridículo dos seus discursos proporciona-nos momentos verdadeiramente hilariantes. Já não nos causam sequer indignação!...
Sol de pouca dura, porque esta semana foi, a todos os níveis, de pirataria. A personagem principal foi o pirata preso na Hungria. E este não é um caso de folclore, não obstante algum folclore nas opiniões emitidas. Designadamente as proferidas com ares de professores catedráticos, mas a raiar a figura do Conselheiro Acácio, personagem de obra O Primo Basílio, desse extraordinário escritor da língua portuguesa, Eça de Queiroz. Essa personagem de ficção tornou-se célebre através dos tempos e ainda hoje é actual, como representando a banalidade e a mediocridade dos políticos e similares. Designam-se como Conselheiros Acácios aquelas figuras que, embora medíocres na cultura e na inteligência, exprimem as suas banalidades com uma postura de pseudo-intelectualidade, verdadeiramente ridícula. O futebol também está cheio de acacianos, designadamente, no comentário jornalístico, sem ofensa para os jornalistas que ainda os há, felizmente!
O Conselheiro Acácio do Eça era um pândego, mas nada sei do seu carácter, embora possa depreender. Era aliás uma figura de ficção e nem todos os patetas têm mau carácter. Os acacianos do comentário a que me refiro acrescentam às patetices que dizem uma tremenda falta de autoridade moral para aquilo que proferem. Mas andam felizes porque se deixou de falar em toupeiras para se falar em hacker, como se uns e outros não fossem heróis ou vilões nas suas atividades. O hacker, para uns, faz parte do crime organizado, trabalha a mando de vários clubes e organizações, contra uma só vítima, e a sua detenção realiza a justiça; as toupeiras, para outros, que, por caso, são os mesmos, fazem parte da justiça desorganizada, não trabalham a mando de ninguém e tudo o que fazem é puro voyeurismo e curiosidade. Valha-me são carrapito!
Ainda não pediram, por enquanto, a pena de morte para o hacker porque importa saber quem lhe pagou e, sobretudo, como lhe pagaram: em vouchers para almoçar e jantar, em camisolas ou cachecóis ou simples entradas num museu de figuras de cera?
Esta questão que vai ocupar as próximas semanas, independentemente da extradição do hacker e do recurso das toupeiras, vai ser bastante interessante, para se avaliar da autoridade moral das pessoas que vão participar na discussão. É interessante e é simples: é mais grave entrar no correio electrónico de uma organização privada para denunciar a prática de eventuais crimes ou entrar no sistema público da justiça para evitar que se descubram os crimes?
E porquê tanta indignação quando reclamam o princípio da presunção de inocência para as toupeiras, ainda que acusadas, e a simples detenção do hacker já é a realização da justiça?
Muita água ainda vai correr debaixo das pontes antes de ser feita justiça, se é que ela alguma vez vai ser feita. Neste caso, como em outros. Mas, a uma coisa vamos todos assistir entretanto: ao espectáculo degradante da discussão entre pessoas que têm autoridade moral para fazerem acusações, e aqueles que não têm, nem nunca tiveram, autoridade moral para o que quer que seja!
Por mim, nesta história de policias e ladrões, só espero que a verdade vença a mentira, que a inteligência vença a estupidez, que o talento vença a mediocridade, que a autoridade moral vença a falta de carácter, e que, ainda que sem grande esperança, os acacianos parem de falar!
No futebol português têm aparecido grandes jogadores e grandes treinadores. São eles que fazem do futebol um espectáculo fantástico. Ronaldo, Figo e Mourinho não são ficção. São de carne e osso. O Conselheiro Acácio é uma figura de ficção que se está a tornar uma realidade generalizada e a inquinar o futebol e a sociedade em geral. Acabemos com eles! Um país onde eles crescem como cogumelos não tem futuro!