Acabou-se a boa-vida
Rui Costa teve intervenção severa na Gala Cosme Damião para começar a separar o trigo do joio, uma tarefa inadiável por existir o risco de ser demorada
OBenfica está a melhorar, mas ainda não convence. Emite sinais animadores, mas não é uma equipa forte e afirmativa. Continua sem combustível para resistir a noventa minutos de competição acelerada e exigente. Comporta-se como uma viatura usada com muitos quilómetros que em viagens longas precisa de fazer várias paragens para dar descanso ao motor.
Os dois últimos jogos, apesar de terem correspondido a duas vitórias indiscutíveis quanto ao mérito, expressam com nitidez essa imagem de cansaço, de descuido ou de fraca aplicação. Frente ao Vitória de Guimarães, os alarmes soaram depois de duas flagrantes oportunidades de golo desaproveitadas pelo avançado Estupiñán ou recusadas por duas valiosas intervenções de Vlachodimos, como se quiser observar a situação, mas só a partir desse susto os encarnados despertaram. Ou seja, ofereceram o primeiro quarto de hora aos vimaranenses.
No sábado, em Portimão, em campo de más recordações para a águia, pois foi nele que começaram a ser cozinhados os despedimentos de Rui Vitória e de Bruno Lage, notou-se o desejo de fazer bem, embora prejudicado por inaceitável tendência para o disparate, a que se acrescenta visível desarrumação tática que advém de uma colisão de vontades entre os que se preocupam sempre e os que se preocupam de vez em quando.
Éum problema de dinâmica como escreveu Vítor Serpa, diretor de A BOLA : «Acontece que na maioria dos jogos, o Benfica tem bola, mas não tem espaço. Precisa, então, de ter soluções dinâmicas que consigam ferir o sistema defensivo adversário. Como tem poucas soluções em que a própria equipa seja capaz de acreditar, torna-se inseguro e permeável ao contra-ataque do adversário».
Também frente ao Portimonense, os jogadores encarnados, ou alguns deles, passaram a ideia de preferirem jogos de curta duração, assim se explicando a mudança de atitude registada depois do intervalo, com mais jogadores a correrem mais e a justificarem a vitória, mas sem, verdadeiramente, conseguirem impor-se.
Controlaram e dominaram mas não tiveram o engenho para traduzir em golos essa supremacia. Claramente, anda por ali gente aburguesada, de pouca ambição e bem paga. Sobre isso não parece restar a menor dúvida. Mais uma vez, o Benfica andou com o credo na boca até ao derradeiro apito do árbitro, por culpa própria.
C OLOCAR o ónus em Nélson Veríssimo é o estratagema mais usado para desviar as atenções do que é relevante e apontar o dedo acusatório ao treinador, como é costume. Não tendo responsabilidades no projeto futebolístico, nem na composição do plantel, nem nas contratações de última hora que apenas acrescentaram despesa ao orçamento, apenas lhe compete trabalhar com seriedade, competência e, se possível, com vitórias, embora consciente de todas as limitações que o envolvem, na condição de treinador a prazo e autoridade limitada.
Os resultados recentes, com acento tónico no empate da Liga dos Campeões, diante do mesmo Ajax que no campo do vizinho da Segunda Circular venceu por 5-1, poderão dar algum alento à família benfiquista, mas nada mais do que isso, porque, comparativamente aos rivais dragão e leão, a águia continua a voar baixo, quer nos confrontos diretos (quatro derrotas nesta época), quer na classificação do Campeonato, estacionada no terceiro lugar e na iminência de voltar a falhar a entrada direta na Champions.
O Benfica desestabilizou-se, por razões que não cabem no espaço desta crónica, sacrificou dois treinadores para abrir a porta a um terceiro e mesmo este teve vida curta, seguindo pelo mesmo caminho dos antecessores. Por isso, questionar o trabalho de Nélson Veríssimo só por qualquer propósito insondável. Não digo que seja a solução, mas afirmo que não faz parte do problema. É a minha convicção, fortalecida depois de ler o discurso de Rui Costa na recente Gala Cosme Damião.
Opresidente benfiquista, eleito no dia 9 de outubro do ano passado, na assembleia eleitoral mais participada da história do clube (acima de 40 mil votantes), com 84,5 por cento de votos, completa amanhã somente cinco meses de mandato e, no entanto, tem sido diligente no trabalho, como pode depreender-se da severidade da sua intervenção, mas de irrecusável pertinência para começar a separar o trigo do joio, no futebol profissional e no resto, uma tarefa inadiável por existir o risco de ser demorada.
Anunciou um caminho de mudança que «terá de provocar uma alteração de mentalidades». Houve dissabores, penitenciou-se, mas não só estão identificados os motivos como foram encontradas as soluções para o clube triunfar «de forma continuada e persistente». No Benfica, sublinhou, a exigência mínima é vencer, porque «vencer é a essência».
Os adeptos perceberam e com certeza que aplaudiram a mensagem, mas entre os jogadores talvez nem todos tenham apreciado. Porreiro, mesmo, seria manter tudo como está, mas, decisão de presidente, acabou-se a boa-vida e quem não acreditar arrisca-se a ter de mudar de clube. «Nesta casa, ganhar, perder ou empatar nunca poderá representar a mesma coisa», sentenciou Rui Costa.