A virtude
Quem é que na história do futebol conseguirá, aos 33 anos, ver-se transferido de um grande clube para outro grande clube por cem milhões de euros e assinar contrato de quatro anos por 130 milhões de euros líquidos? Quem? Alguém o conseguiu ou voltará a consegui-lo?
Não acham absolutamente inacreditável e extraordinário que Cristiano Ronaldo, a caminho dos 34 anos - que completará dentro de sete meses - seja o protagonista de uma transferência do Real Madrid para a Juventus por cem milhões de euros? Eu acho! Acho tão sensacional que acredito que tão depressa não voltará a acontecer. Se é que voltará alguma vez mais a acontecer.
É verdade que alguns outros jogadores fizeram também, com idades semelhantes, fabulosos contratos… mas transferindo-se sempre do futebol europeu para mercados como os da China, Japão, Médio Oriente ou mesmo Estados Unidos da América. Que me lembre, realmente, nenhum outro jogador da história esteve no papel em que está agora Cristiano Ronaldo.
Absolutamente nenhum!
Podemos, pois, discutir a imagem de Cristiano; até a atitude ou as qualidades em campo. Se trocou as fintas pelos golos ou a habilidade pela potência de remate. Podemos discutir a forma de Cristiano comunicar ou o modo como festeja os golos. Podemos discutir o que quisermos. Mas quem joga como joga e quem vence o que vence no Manchester United e no Real Madrid e chega agora à Juventus, muito provavelmente para continuar a vencer, só pode ser visto como o mais marcante jogador da história, independentemente de o considerarmos ou não o melhor do mundo na atualidade ou mesmo o melhor de todos os tempos, o que é sempre muito mais discutível se analisarmos de acordo com os gostos ou as preferências de cada um.
Podemos, no entanto, perguntar: mas o que é, afinal, ser o melhor? O melhor é aquele que foi o melhor há 50 anos ou o melhor é aquele que, sendo hoje o melhor, é o melhor num tempo em que o futebol se tornou superexigente, superequilibrado e supercompetitivo como nunca? Não serão, por isso mesmo, Ronaldo e Messi os melhores de sempre?
E não fará qualquer diferença a virtude de Cristiano Ronaldo se ter desafiado muito mais a ele próprio do que Messi? Ganhar em Manchester e ganhar em Madrid como Cristiano Ronaldo ganhou não terá, com toda a sinceridade, direito a maior e mais generosa fatia de mérito?
CRISTIANO RONALDO apresenta-se, finalmente, na próxima segunda-feira para começar o trabalho na Juventus, após algumas semanas de muita pressão e intensas negociações para uma transferência absolutamente sensacional, que já muitos não acreditavam que pudesse vir a concretizar-se. Transferir Cristiano Ronaldo não é, na verdade, transferir apenas um jogador de futebol, mesmo que esse jogador seja, em título, o melhor jogador do mundo. Transferir Cristiano Ronaldo é transferir uma das maiores marcas da atualidade; é, no fundo, transferir uma empresa.
Exatamente por isso é que a transferência de Cristiano pode chegar a ser tão complexa e envolve tanto detalhe e, consequentemente, tanto dinheiro e tantas análises sobre investimento e retorno.
E é também por isso, por Cristiano Ronaldo significar muito mais do que apenas o valor de um grande jogador de futebol, que a Juventus fez o investimento que fez. Sabe que está a contratar o melhor jogador mas também sabe que está a contratar, seguramente, talvez a melhor marca de sempre entre todos os mais famosos atletas do mundo.
Na verdade, o nome de Ronaldo domina hoje o mundo do futebol com um impressionante impacto no planeta. Ainda recentemente, Jorge Jesus lembrou, numa fantástica entrevista concedida à BOLA TV, que em Portugal nem todos têm ainda a exata noção do impacto de Cristiano Ronaldo no mundo e do que ele significa como grande símbolo deste nosso pequeno país.
Conta Jesus que é vulgar ver em Riade, capital da Arábia Saudita, a imagem de Cristiano nas mais concorridas avenidas e junto das mais prestigiadas e luxuosas lojas comerciais. Quando na rua Jesus se vê identificado, a primeira expressão que invariavelmente lhe dirigem é «Ronaldo, Ronaldo, Ronaldo!».
É assim na Arábia Saudita como é assim, podem ter a certeza, em todo o resto do mundo; não existe hoje no tão mediatizado mundo do futebol imagem como a de Cristiano Ronaldo, mas é também por isso que julgo valer a pena recordar como ele é desportivamente único, e voltar a olhar para a sua impressionante galeria desportiva:
5 Bolas de Ouro; 3 UEFA Best Player; 2 FIFA The Best; 4 Botas de Ouro; mais de 630 golos; mais de 210 assistências; 5 Ligas dos Campeões; 4 Mundiais de Clubes; 3 Supertaças europeias; 3 Ligas em Inglaterra; 2 Ligas em Espanha; 2 Taças do Rei; 2 Supertaças espanholas; 2 Taças da Liga inglesa; 2 Supertaças inglesas; 1 Taça de Inglaterra; 1 Campeonato da Europa por Portugal. Chega?!
SOU do tempo em que Shéu Han chegava para se treinar, no velho e imponente Estádio da Luz, se a memória não me falha, ao volante de um pequeno Datsun 100 A, de cor alaranjada, tão discreto como o próprio Shéu, num tempo em que alguns dos seus companheiros de equipa no Benfica já se divertiam ao volante de carros desportivos, muito mais vistosos e, sobretudo, muito mais potentes.
Aquele pequeno carro em que Shéu muitas vezes se fazia transportar até à Luz dizia, afinal, muito da personalidade deste antigo craque de futebol nascido em Moçambique há quase 65 anos, que acaba de se afastar do cargo de secretário técnico que ocupou no Benfica nos últimos quase 30 anos, que se juntam aos quase 20 que ali viveu como um dos mais suaves e brilhantes jogadores da sua geração, celebrizado, bem a propósito, como... o pezinhos de lã.
Tal como sucede com Toni, também o nome de Shéu se confundirá sempre com o do próprio Benfica, e é por isso que serão sempre mais do que justas todas as homenagens que forem feitas a este homem tão dedicado ao clube, sempre tão correto e elegante para companheiros e adversários e sempre tão invulgarmente discreto. Nunca conheci no futebol, aliás, ninguém tão discreto como Shéu. O que, no caso, sempre se tratou, evidentemente, de uma grande virtude.
Muito grande mesmo!