A vingança da bola quadrada
Benfica, Sporting e FC Porto, é este o universo televisivo do futebol à portuguesa. Um bocado parolo, diga-se, mas é à parolice que as audiências mais ligam, o que, lamento dizer, fazem do povo português um povo genuinamente parolo, apesar das óbvias e honrosas exceções.
Recentemente, um amigo, verdadeiro conhecedor do futebol, lamentava-se dizendo-me que no programa de uma conhecida estação televisiva, em que participava, tinha-se optado pela discussão séria e elevada do jogo. Eis se não quando surgem, dos bastidores, dois trogloditas nacionais, para entrarem no programa em berraria histérica. Durante uma hora envergonharam quem lá estava, mas, no final, o responsável pelo programa pediu desculpa, justificando que teve de ser assim para poder subir as audiências.
Há, por aí, uma brigada maníaco desportiva que excita as audiências a troco de um pagamento generoso. Não culpo, e muito menos responsabilizo, as televisões que optam por jogar esse jogo de oferecer produtos estúpidos a gente que se comporta como se fosse estúpida. O problema, se bem vejo a coisa, não está em quem vende um produto apetecível, apesar de indigente, mas em quem o consome.
Voltamos à questão essencial: o embrutecimento geral das populações dos chamados países ricos, está a provocar um perigoso aquecimento climático nas sociedades modernas. Provoca escolhas de políticos absurdos para formarem governos de países importantes no mundo; provoca, a todos os níveis, uma total ausência de reconhecimento da qualidade; provoca um autismo universal das populações; provoca o desenvolvimento de uma nova teoria de que importa mais repetir do que criar; e provoca, enfim, um estado de alienação generalizada, onde, para além do eu, já nada nem ninguém verdadeiramente importa.
Ora, esta nova filosofia-mundo, que também migrou para o futebol português, leva ao extremo da obsessão pela procura selvagem das audiências dos chamados três grandes. Os outros que se lixem. Cresçam e apareçam.
Bom, a verdade é que é isso que clubes como o SC Braga e o Vitória Sport Clube, de Guimarães, têm vindo a tentar fazer. Com avanços e recuos. Com estratégias diversas. Com maiores ou menores índices de convicção. Mas tentam. Não se deixam capturar pelo sistema manipulador e conservador.
Desta vez, com a elogiável superação nas eliminatórias da Liga Europa, o SC Braga eliminou, de forma categórica, uma equipa que terá um orçamento dez vezes superior e um Vitória chega à fase de grupos, eliminando a equipa de um clube que já foi campeão da Europa e, não menos importante do que isso, eliminando o exemplo irritantemente lunático de um presidente populista e egocêntrico.
Foi a vingança da bola quadrada. De repetente, os dois de quem nada se esperava, chegam à fase de grupos e colocam Portugal, agora com cinco representantes na bola europeia, numa situação rara de grande oportunidade para poderem somar pontos para o ranking e subirem lugares que poderão tornar-se decisivos no crescimento global do futebol português.
Não é suficiente para que os erráticos debates televisivos reparem neles? É bem provável que não seja, mas até por isso se fala, aqui, numa vingança da bola quadrada, porque teimam em dizer: «ALÔ ALÔ, NÓS EXISTIMOS, NÃO NOS VEEM, MAS ESTAMOS AQUI» e a verdade é que lentamente, talvez, mesmo, muito lentamente, há um que repara e outro que nota e ainda uns quantos que passam a ver e a estimar o brutal trabalho de quem cresce, de quem cria, de quem não aceita as coisas como só supostamente são.