A vergonha de Guimarães

OPINIÃO22.03.202205:55

João Palhinha foi direito ao assunto e aproveitou a data especial, Dia do Pai, para agitar consciências e questionar os pais sobre os valores que querem passar aos seus filhos

Ahistória repetiu-se em Guimarães e as cadeiras voltaram a voar nas bancadas do estádio do Vitória, arrancadas e arremessadas por gente sem educação e que deveria  ser impedida de assistir a espetáculos desportivos. O que  pudemos ver não é paixão, nem alma, nem nada que caiba nos padrões comportamentais  admissíveis numa sociedade civilizada. É, tão-somente, imperdoável grosseria e os indivíduos que  promoveram as lamentáveis cenas de violência não podem ser a imagem do clube, ao contrário do que um vice-presidente proclamou no final, apresentando-se em local destinado a treinadores e jogadores  para abordarem as questões do jogo, e apenas para isso.  
Foi uma entrada em falso da equipa diretiva presidida por António Miguel Cardoso e recentemente eleita, sem se dar conta que o Vitória Sport Clube jamais pode ser identificado pelas barbaridades de uma minoria agressiva e desordeira. A numerosa, fiel e apaixonada massa adepta vitoriana não se revê nos  arrancadores de cadeiras, um passatempo que se julgava em vias de extinção naquele estádio. A numerosa, fiel a apaixonada massa adepta vitoriana quer  viver  em ambiente familiar, aplaudir a sua equipa e ver  futebol de qualidade, o que Pepa e os seus jogadores sabem fazer bem. A numerosa, fiel e apaixonada massa adepta vitoriana quer ir ao futebol para se divertir e não para aturar grupelhos  trauliteiros, merecedores de absoluto repúdio e jamais de palmadinhas nas costas.
Afirmou o dito vice-presidente que  o executivo a que pertence vai pedir uma reunião ao comando da PSP, porque, como sublinhou, «é o nosso dever defender intransigentemente os nossos adeptos».  
Segundo ele, e cito, «inexplicavelmente, mais uma vez, a carga policial incide só sobre os nossos adeptos, que tiveram a atitude que tiveram». Ou seja,  o desagrado do dirigente, pelo que se depreende da sua inesperada intervenção, prende-se com eventual desequilíbrio nas doses de bastonadas distribuídas aos adeptos dos dois clubes, pelos vistos mais bem servida  a que tocou aos da casa.
 

Guimarães foi palco de incidentes graves 

POSIÇÃO elogiável e pertinente foi a que o jogador João Palhinha assumiu. «Ainda não sou pai, mas não tenho dúvidas nenhumas de que a educação e a formação que deixamos aos nossos filhos é o maior legado que eles levarão para a vida», escreveu, incitando os pais a refletirem antes de levarem os filhos a um estádio de futebol para os sujeitarem a «certo tipo de atitudes» protagonizadas por quem deveria ter o dever de dar o [bom] exemplo.  
Palavras sensatas do jogador leonino, que deverão ser sensibilizadoras e  orientadoras para a direção vimaranense, convidando-a a enfrentar a realidade com a coragem que anteriores gestões não tiveram.  Antes de incomodar a polícia, talvez fosse aconselhável pôr ordem dentro de casa e, se necessário, convidar a sair os responsáveis pelo vergonhoso que é «ver miúdos de  14, 15, 16 anos agirem de forma semelhante aos seus ídolos».  
João Palhinha foi direito ao assunto e aproveitou a data especial, Dia do Pai, para agitar consciências e questionar todos os pais sobre os valores que querem passar aos seus filhos.    
O tema é preocupante, reclama medidas e  se há estádios que podem considerar-se problemáticos o de Guimarães é um deles. Não podemos  teimar em  fazer de conta que não sabemos e muito menos dar guarida a gente que ignora o significado da palavra respeito. 
 

APROVEITANDO o reencontro, no último  domingo, entre  Nottingham Forest e Liverpool, que   disputaram  os quartos de final da Taça de Inglaterra, A BOLA Online, na sua plataforma 3D, em trabalho de admirável oportunidade jornalística, recordou o que se passou há 33 anos, 15 de abril de 1989, em jogo também entre estes dois clubes, e que ficou para sempre gravado como  a Tragédia  de Hillsborough, provocada por excesso de público que o Estádio do Sheffield Wednesday não teve capacidade para acolher. Do descontrolo generalizado, perante a ausência de uma resposta policial firme, segundo rezam as crónicas, à desgraça consumada  foi um ápice: 97 vítimas mortais.
Quatro anos antes, em Bruxelas, na final dos Campeões Europeus no Estádio  de Heysel, entre a Juventus e o Liverpool, tudo começou com dispersas provocações hooliganistas e acabou em catástrofe: 39 vítimas mortais e 600 feridos, em direto, pela televisão, para todo o mundo testemunhar. Aconteceu a 29 de maio de 1985.    
Tenhamos memória e não brinquemos com coisas sérias, muito menos pondo em risco vidas humanas. Espero, pois, esperamos todos, que, por esta altura, a Autoridade para o combate à violência no desporto esteja em condições de cumprir a missão para a qual foi criada e aliviar os estádios de mais uns tantos energúmenos que devem ser bloqueados na porta de entrada, por tempo indeterminado.
Um estádio de futebol tem de ser espaço  de rivalidades, sim, mas também de  convívio, de alegria, de tristeza, de comemoração, onde cabe gente de todas as condições sociais, sem olhar a géneros, idades, raças ou credos. É esse poder aglutinador que torna este  jogo diferente e fascinante. Quem não conseguir entender  tem de ficar do lado de fora.