À tangente
1 - Os quatro principais (fica melhor chamar-lhes principais do que grandes) lá ganharam todos tangencialmente os seus jogos do campeonato. Nenhum deles ganhou sem aflição nem sustos, nenhum fez exibição categórica. Mais difícil a prova do FC Porto, jogando em Vila do Conde, frente ao quinto classificado e uma equipa que vinha de duas vitórias consecutivas em Alvalade. Logo seguida em dificuldade, a deslocação do Braga a Portimão, obrigado a ganhar para mitigar os danos de um arranque de campeonato que estava a ser o pior dos últimos largos anos. O mesmo se diga do Sporting, igualmente obrigado a vencer fora, mas frente ao último classificado: na sua estreia, tudo o que Silas desejava era ganhar desse lá como desse, e deu com um penálti salvador já nos minutos finais. Finalmente, o Benfica era o único dos quatro que tinha uma tarefa que à partida parecia fácil, defrontando o Vitória de Setúbal em casa. Mas viu-se e desejou-se para marcar um golo a uma equipa que não sofre nenhuns, embora também tenha chegado à 7.ª jornada do campeonato com… um golo marcado, o que é verdadeiramente escabroso. Na Luz, confirmou a eficácia da sua defesa e a inexistência do seu ataque.
Pelo meio, excepção feita ao Braga, jogaram todos para a Taça da Liga, com sortes diferentes: derrota caseira e altamente comprometedora do Sporting, empate caseiro e talvez preocupante do Benfica e vitória caseira do FC Porto - a primeira em cinco edições seguidas desta malfadada Taça para os portistas. Num balanço geral, direi que me pareceu surpreendente o défice físico patente em todos os quatro, e, embora as jornadas europeias contribuam para isso em parte estamos ainda no princípio da época… Quanto a futebol de qualidade, não se tem visto a nenhum deles, mas o menos mau ou o melhorzinho creio que está a ser o dos portistas.
2 - Gostei de ver a exibição da equipa quase toda de suplentes que Sérgio Conceiçao fez alinhar contra o Santa Clara, para a Taça da Liga. Em particular, gostei muito de Diogo Leite, que fez um senhor jogo, e de Mbemba, magnífico a lateral-direito, como a seguir, frente ao Rio Ave, como médio defensivo, na parte final. Ambos deram garantias bem firmes de se poder contar com eles. A má noticia é que o miúdo Fábio Silva, que estabeleceu novo recorde de jogador mais novo a alinhar pela equipa principal do FC Porto, esteve praticamente ausente do jogo, pese a enorme vontade de brilhar que se lhe adivinhava. Já em Vila do Conde, sem nunca ter jogado por aí além, o FC Porto mandou no jogo durante 70 minutos em que poderia ter aumentado a vantagem tangencial, mas depois sofreu um sufoco final de 15 minutos, como há muito não via. É verdade que o Rio Ave não criou nenhuma ocasião séria (tirando o golo anulado por off-side de 63 cms), mas conseguiu encostar o Porto às cordas no fim, mostrando muito maior frescura física que os portistas. E fica um elogio para um trio que, neste jogo e não só, vem-se revelando decisivo nesta caminhada que já vai em oito vitórias consecutivas, após o desastre do Krasnodar: Pepe, imperial, a jogar como um jovem; Alex Telles, o eterno MVP, o senhor assistência do campeonato português (para quando a tão adiada renovação com ele?); e, finalmente, Marega, à frente e atrás, na lateral e no meio, sempre até ao último sopro de cada jogo.
3 - Tanto no jogo dos portistas contra o Santa Clara, para a Liga, como no jogo em Vila do Conde, sucederam dois episódios com jogadores portistas que, num caso, levaram vários interessados e não só a reclamar penálti por assinalar contra o Porto, e no outro caso, a reclamarem expulsão por efectuar de Corona - em ambas as situações, apoiando-se nas novas regras desta época (há sempre novas regras ou novas interpretações das regras, raramente com benefício evidente do jogo). No primeiro caso, um ex-árbitro cujo nome não recordo, descreveu assim o lance: «Uribe, que estava a armar o salto, foi surpreendido pelo aparecimento de Fábio Cardoso, atingindo-o involuntariamente na cara. Embora não tivesse havido intenção, houve negligência pelo que deveria ter sido assinalado penálti e mostrado cartão amarelo ao jogador portista.» No segundo caso, o nosso Duarte Gomes descreveu assim o lance, nestas páginas: «O portista Corona, ao disputar lance com o vila-condense Nuno Santos (ambos a olhar para a bola), pisou o tornozelo esquerdo do adversário, lesionando-o. Não houve intenção, mas negligência. Justificava segundo amarelo.» Exactamente a mesma justificação. Acrescente-se que o texto de Duarte Gomes era a legenda de uma fotografia onde se veem o portista e o vila-condense saltando ambos à mesma bola, no ar e de olhos fixos nela, e até com Nuno Santos encavalitado nas costas de Corona. Pergunto: como é que um jogador que está no ar, a saltar a uma bola olhando unicamente para ela, e com um adversário pendurado nas suas costas, pode evitar pisá-lo ao aterrar? Onde é que está a negligência se esse jogador não tem meio de adivinhar onde é que vão estar os pés do adversário quando ambos chegarem ao chão? Mas, mais preocupante do que isso são agora estas tais faltas por negligência, em que se reconhece que o jogador não teve intenção alguma de atingir o adversário ou sequer cometer falta, mas, mesmo assim, a falta deve ser assinalada. Reparem: não se trata daquelas entradas que, mais do que negligentes, são imprudentes para a integridade do adversário - como corte em carrinho, que acerta na bola mas leva também atrás o pé do outro. Aqui, é uma situação diferente: um jogador que salta a uma bola e é surpreendido por um adversário que enfia a cabeça debaixo do cotovelo dele, ou outro que, saltando a uma bola com um adversário, aterra sobre o pé dele, que não podia ver nem evitar. Francamente, parece-me que estamos no domínio da total falta de bom-senso. O que acrescenta esta nova regra ou nova interpretação à verdade do jogo?
4 - No início, cheguei a elogiar os comentadores da Benfica TV pelo esforço em fazerem relatos isentos. Mas isso foi chão que já deu uvas: o último relato comentado do jogo do Benfica com o Setúbal, por exemplo, degenerou numa tamanha falta de isenção que só nos podia lembrar o que aquilo, afinal, é: um canal de clube. Do clube que lhes paga. Pior, porém - porque influencia julgamentos - são os truques da realização: enquanto se mostraram abundantemente um lance entre Rafa e um jogador sadino do qual os benfiquistas quiseram extrair ao árbitro um penálti inexistente, passando sempre o mesmo ângulo da jogada, só por uma vez, e de certo inadvertidamente, mostraram o ângulo oposto, no qual se percebia que fora Rafa até quem partira para a carga de ombro. E, quase no final, quando Vlachcodimos sacode a bola num canto, há um frame de imagem onde me pareceu ver um jogador do Vitória, à sua frente, impedido de saltar à bola por uma gravata de um benfiquista. Repito: pareceu-me, mas não posso garantir, porque o lance nunca mais foi mostrado, ao contrário do que sucederia inevitavelmente se tem ocorrido na baliza contrária. A Liga devia estar atenta a estes pormenores, porque, se o Benfica tem todo o direito de transmitir os seus jogos caseiros, a respectiva realização deveria garantir total independência e isenção, sob pena de todos os clubes serem escrutinados por entidade alheia e um apenas sê-lo por entidade sua e servindo interesses seus. Se a BTV não é capaz de garantir essa isenção, a Liga deveria impor que a realização e comentários dos jogos transmitidos pelo Benfica ficassem a cargo de uma entidade externa ao clube. Chama-se a isto transparência e igualdade.