A Seleção que nos une e a tração à frente
Se os deuses não me pregarem uma partida, quando o estimado leitor me der a honra de ler estas linhas já estarei em Sóchi. É certo que a minha simpatia pela Seleção não se compara com o amor assolapado e incondicional que tenho pelo brasão abençoado, mas sei que mal a bola comece a correr o meu coração estará com os meus compatriotas em campo e com os muitos milhões em Portugal e por esse mundo fora.
Não confundo, porém, a pátria e os valores que fazem da nossa comunidade algo único e distinguível de todas as outras com uma equipa de futebol. Penso, aliás, que a forma de olhar para a Seleção como se os rapazes fossem uma espécie de soldados que marcham pelo nosso país contra os canhões do inimigo é, no mínimo, uma tontice - como acho de um ridículo sem fim a torrente infinda de programas sobre as comidinhas que os jogadores preferem e os nomes dos seus periquitos.
Sei bem, porém, o que a Seleção - e o futebol português - representa para os portugueses espalhados pelo mundo. Já fui a vários Mundiais e outros tantos Europeus e pude constatar presencialmente a paixão que as cores da equipa nacional desperta, mas sobretudo sei da importância (sinto-a na minha própria família e em gente que me é muito próxima) que os nossos emigrantes dão a estes momentos. No mesmo sentido, não desconheço o entusiasmo com que os meus concidadãos, habitantes no solo nacional, vivem estes momentos. No fundo, a Seleção é uma das poucas coisas que une todos os portugueses - não é por acaso que o Presidente da República lhe dá tanta importância. É este o seu grande mérito.
Este mérito da Seleção Nacional de nos unir, de nos fazer sentir parte de uma comunidade, mostra, por contraposição, um problema grave: é que não restam muitas coisas ligadas ao nosso país, à nossa história que nos unam ou, pelo menos, que nos juntem de forma entusiástica. Não sendo, obviamente, o futebol a coisa mais importante para uma comunidade não é bom sinal que ele se torne o grande agregador - não vem agora à conversa, mas uma das razões para termos tantos problemas de ódios e violência no futebol é a falta de fatores identitários, aspetos que unam as pessoas; o clube passou a ser das poucas coisas que une, que nos faz sentir parte de algo maior que nós e sendo isso algo de bom por si mesmo, não é saudável em termos da sociedade em termos globais. Temos uma história que nos deve orgulhar, uma língua falada nos quatro cantos do mundo, homens e mulheres que se destacam nos mercados mais competitivos, instituições fortes e um país pobre mas lutador e orgulhoso.
A Seleção não tem culpa se as outras áreas e instituições não desempenham bem as suas funções agregadoras. Não há dúvida: a Seleção Nacional tem-no feito de forma exemplar.
Que daqui a bocado e durante este mês o Cristiano e companhia façam os portugueses felizes. Bem merecemos.
Seleção de tração à frente
Apesar de ser ligeiramente mais desequilibrado, o plantel da Seleção é melhor do que aquele que se sagrou campeão da Europa. Tem mais soluções e acrescentou ao meio-campo e ao ataque muita qualidade. E só não há mais classe no plantel porque por qualquer mistério insondável se deixou de fora o melhor defesa-direito português, Nelson Semedo, e um genial centro-campista, Rúben Neves.
A seleção portuguesa ganhou o último Europeu baseando o seu jogo numa grande solidez defensiva. A sorte desempenhou um papel importante, os mais fortes adversários foram evitados até à final, mas foi a capacidade de não sofrer golos que foi decisiva.
Não me parece que o mesmo modelo resulte para o Mundial. Em primeiro lugar, não existem grandes dúvidas de que o setor mais fraco deste conjunto de jogadores é o defensivo e, em segundo lugar, o meio-campo, sendo em termos de qualidade objetiva melhor, é menos vocacionado para tarefas de conquista da bola. Por outro lado, não só a qualidade média dos jogadores é melhor como temos das melhores frentes atacantes do campeonato do mundo. Ao mais produtivo goleador de todos os tempos juntam-se Gonçalo Guedes, o extraordinário Bernardo Silva, Gelson, André Silva e Quaresma.
Tendo Fernando Santos prescindido de Rúben Neves e não tendo Adrien praticamente jogado, apenas restam William para o vértice mais recuado e Moutinho com perfil de mais contenção. Sendo fácil adivinhar que Bruno Fernandes será titular, mais um elemento no meio-campo poderia trazer mais robustez, simplesmente isso levaria a ter de prescindir do melhor que esta Seleção tem: uma frente de ataque demolidora. De facto, seria quase incompreensível que o treinador prescindisse de Bernardo Silva ou Gonçalo Guedes - não vale a pena referir o Cristiano. Ou seja, será um destes a fechar o meio-campo. É fácil perceber que a fragilidade defensiva será maior.
Estando as grandes armas da Seleção no ataque e no meio-campo ofensivo, não seria razoável - seria até suicidário - que esta se apresentasse com a mesma ideia de jogo da do Europeu. Não tem jogadores para isso e, mais que tudo, tem rapazes para fazer a diferença na frente. Aliás, o treinador não tem grande alternativa, não potenciar a fantástica linha ofensiva de que dispõe não só seria um erro evidente como seria quase um crime lesa-futebol.
O grande desafio de Fernando Santos é mostrar que consegue montar uma equipa de tração à frente com a mesma qualidade com que montou uma atrás. Vai ser neste aspeto que se vai decidir a boa ou má prestação da seleção portuguesa neste Mundial, já que jogadores de categoria extra não faltam. E, claro, era bom que a sorte que tivemos em França nos voltasse a acompanhar.
Uma lição
A verdadeira toupeira benfiquista, Bruno de Carvalho, lá continua na sua saga de destruir o Sporting. Não gosto de fazer isto, mas não resisto: escrevi aqui, desde o primeiro dia de Bruno de Carvalho, que os sócios do Sporting iam pagar muito caro ter um indivíduo como ele como presidente. Em frente.
No fundo, o Bruno de Carvalho lembra-nos o quão vulneráveis são as instituições - e não, não são só as que se baseiam em paixão, a história do século XX e acontecimentos recentes são prova disso.
O que se está a passar no Sporting tem de ser uma lição para todos nós. E longe de ser só no que diz respeito ao futebol.