A segurança só é boa para os outros
Tento perceber, com a melhor das boas vontades, as razões que levam as autoridades do Benfica a não estarem de acordo com as novas medidas de segurança nos estádios de futebol e que obrigam à existência de um cartão personalizado para os elementos das claques organizadas.
Diz o Benfica, em resumo, que anda há anos a tentar convencer os seus rapazes dos no name e dos diabos para se registarem e que eles não querem. Ora, se não quiseram registar-se, apesar da insistência do clube, não seria agora que se iriam registar. E porque razão não se registam? Bom, em parte porque já estão registados como sócios e esse é o único registo que admitem; por outro, porque, aceita-se com custo, haverá, como noutras claques, alguns elementos perturbadores, a que os próprios responsáveis benfiquistas chamam de criminosos.
De facto, aqui, a razão é forte e incontestável: um criminoso não quer registos, não quer cartão personalizado, não quer ser reconhecido. Era como 007 se apresentasse aos inimigos de sua majestade e entregasse um cartão de visita com fotografia e uma legenda por baixo do nome: «espião britânico ao serviço do bem mundial».
Há ainda, pelo que observo, uma outra contrariedade: o IPDJ passou a pasta à área governamental que trata dos problemas da violência. E isso parece que poderá constituir uma ilegalidade constitucional porque, assim, perde-se a liberdade de desancar no IPDJ, criando-se um novo organismo responsável, o que obrigará a novas estratégias de malhação.
De facto, apesar de atento e interessado, não consigo compreender. Nem sequer quando surge a ameaça de que, assim, sem cartão de adepto, as claques organizadas do Benfica não irão aos estádios como visitantes e, assim, os estádios ficarão inevitável e lamentavelmente vazios.
Procuro, na firmeza da contestação, uma alternativa, não para a realidade específica do Benfica, mas uma que sirva, na perfeição, à realidade nacional. Não encontro nada que seja aplicável com a mesma sensatez e, a ver, com a mesma eficácia.
Vejo, isso sim, uma inquietação séria da parte do Benfica, que se regista e comprova na descentralização das entrevistas e informações prestadas aos jornais.
O problema está no enfoque da questão central: existe um crescente sinal de violência da parte das claques organizadas dos principais clubes de futebol. Todos teremos de estar de acordo com esta realidade, porque não é opinativa, é meramente factual. E todos tínhamos pressionado o IPDJ e o governo a agir. Por uma vez as críticas públicas e a pressão dos jornais tiveram resultados. A mansa, gorda e imovível máquina do estado, enfim, mexeu-se. E isso é bom. A solução encontrada parece ir no bom caminho: registo das claques e identificação clara de cada um dos seus elementos. Ao contrário do que diz o Benfica, ninguém é obrigado a registar-se numa claque organizada, basta não ir ao futebol. Não é uma obrigação, é uma opção.
Pode ser que a solução encontrada acabe por se manifestar insuficiente ou incapaz de satisfazer os objetivos para a qual foi criada? Bom, nesse caso, mudar-se-á o que for necessário mudar, mas a verdade é que o princípio parece certo e, mesmo que sujeito à pressão dos responsáveis do maior clube nacional, em número de adeptos, a verdade é que não deve nem pode voltar para trás.
Vejamos a coisa com clareza: a segurança nos estádios é um problema que ultrapassa o futebol. Qualquer cidadão tem direito à segurança, de si próprio e da sua família, e nenhum clube, por muito que queira agradar a grupos, tem o direito de estar contra isso.