A química!

OPINIÃO21.08.202004:00

EM março deste ano, Jorge Jesus deu a última grande entrevista no Brasil, ainda longe de imaginar que regressaria mesmo ao Benfica. Estava a maldita pandemia a instalar-se, por fim, em todo o mundo, com a gravidade que, entretanto, lhe conhecemos, quando Jesus foi convidado a marcar presença no Jogo Sagrado, programa televisivo da FOX Sports Brasil, um dos espaços desportivos de maior audiência conduzido pelo jornalista Benjamim Back, que levou Jesus a conversar, entre outros, com antigos jogadores como Zinho - figura do Flamengo e também do Palmeiras -, Ricardo Rocha - lembram-se?, esse mesmo que chegou a jogar no Sporting e, mais tarde, no Real Madrid - e Carlos Alberto, o rebelde atacante que ajudou a fazer do FC Porto e de José Mourinho campeões europeus em 2004, e que apenas deixou de jogar em 2019, agora com 35 anos.

Essa última entrevista/conversa de Jorge Jesus no Brasil, há meia dúzia de meses, que A BOLA TV teve o privilégio de passar no íntegra há um par de semanas, serve bem para nos ajudar a compreender até que ponto existirá um novo Jorge Jesus neste regresso ao futebol português, ele que assumiu, aliás, na apresentação como líder das águias, no início de agosto, ser hoje melhor treinador do que era em 2015, quando abandonou a Luz.

Confesso que me parece, na verdade, existir um novo Jorge Jesus, na medida em que as experiências no estrangeiro talvez lhe tenham dado maior capacidade de dominar tudo o que envolve desportivamente, mas também social e emocionalmente, um grupo de mais de duas dezenas de jogadores. Não será um novo Jesus na forma de olhar o jogo, na paixão e intensidade com que vive o jogo e o treino, na exigência ou no clima de competitividade e agressividade positiva que gosta de criar nas equipas para extrair delas o que julga ser o melhor que  podem dar.

Mas será provavelmente um novo Jesus no modo de compreender o que o rodeia, de compreender as emoções e as experiências de vida de todos os que trabalham com ele, porque as experiências no estrangeiro devem tê-lo levado a ver melhor, como ele próprio já o disse, o que é estar na pele de quem chega para trabalhar num novo país.

Na muito reveladora última entrevista/conversa no Brasil, Jorge Jesus deu ainda curiosa - e inédita - explicação para o sucesso da relação, como ele nunca deixou de repetir, com o fantástico grupo de jogadores que encontrou no Flamengo, uma explicação que mostrará, porventura, um Jesus um pouco mais focado, quem sabe, na compreensão da real contexto em que trabalha  e com quem trabalha e não apenas obcecado no rendimento e na utilidade de cada um. 

«Os jogadores aceitaram-me com muita facilidade (…) Aceitaram as minhas maluquices, e é muito importante os jogadores aceitarem algumas coisas que os treinadores têm… Aceitaram muito bem a minha forma de estar!», disse Jorge Jesus.

«Ainda agora, pode parecer que não tem que ver mas tem, estávamos a treinar no CT [centro de treinos] e o CT ainda não tem luz, vai ter mas ainda não tem… e estava a ficar muito escuro e já quase não se via a bola… e eles [os jogadores] começaram a perguntar… ‘mister, estamos a treinar para quê? Está muito escuro!...’ E eu disse-lhes… ‘é para jogarem de olhos fechados, assim jogam de olhos fechados uns com os outros’… [grande gargalhada, como se imagina]».

O quadro descrito por Jesus facilmente nos leva a admitir como seria muito boa a química entre treinador e equipa do Flamengo, que será, afinal, de contas, o que os benfiquistas esperam ver acontecer, agora, na Luz. Mas se alguma dúvida pudesse ainda existir sobre essa capacidade de Jesus criar hoje melhor a tal química com os jogadores, decisiva para o sucesso de qualquer treinador - e os jogadores serão sempre os que melhor poderão definir a qualidade de trabalho dos treinadores -, então talvez o melhor seja escutarmos as palavras do veterano Filipe Luís, esse lateral esquerdo que andou a jogar na Europa nos últimos 15 anos (!!!), divididos entre Espanha (um ano de Real Madrid B., quatro de Corunha e oito de Atlético de Madrid), e Inglaterra (um ano de Chelsea), quando há dias, falando ao Globoesporte, aceitou recordar Jesus.

«Eu vim com 34 anos para o Flamengo, achando que vinha para ensinar alguma coisa, com toda a humildade, pelo amor de Deus… a verdade é que fui o aluno número um. Nunca aprendi tanto de futebol na minha vida como aprendi com Jorge Jesus».

«Cada vez que ele mostrava um vídeo ou colocava um treinamento era uma aula de futebol. Ele parava no vídeo, e ficava na mesma imagem uns 15 minutos falando de um detalhe. Ia para casa a pensar nas coisas que ele dizia e falava com os meus colegas sobre isso. Tem uma metodologia muito interessante. Eu não concordo com muitas coisas que ele faz, tivemos umas 20 discussões, ou 30, mas depois, em mais da metade, ele sempre tinha razão. Tinha coisas que eu não concordava, mas que fazia e acabava dando certo. E outra coisa… ele era aquele explosivo, paixão pura, no campo, mas fora do campo é o coração mais mole do mundo. É um cara que deixou mesmo marca muito forte no plantel do Flamengo».

Realmente a química não é coisa que se aprenda ou se ensine.

JULGO que ninguém saberá ainda, a não ser, talvez, o próprio, se Cristiano Ronaldo vai ou não continuar na Juventus. Julgo, aliás, tratar-se de um dilema para o próprio Ronaldo: ficar e tentar a (última) oportunidade de vencer, em 2021, a Champions, que foi uma das principais razões para este casamento da Juve com CR7, ou sair, e tentar, na bela cidade de Paris, o que mais nenhum jogador conseguiu na história, ser campeão em quatro dos cinco principais campeonatos da Europa.

Se eu fosse Cristiano Ronaldo, e é evidentemente muito fácil falar sem ser Cristiano Ronaldo, deixaria a Juventus e apostaria tudo no Paris Saint-Germain. Pela razão que já aduzi, mas também porque já estou a imaginá-lo, não na Torre Eiffel, onde já brilhou com uma Bola de Ouro nas mãos, mas num barco, pelo Sena, a exibir o título de campeão francês, ou mesmo, quem sabe, a Taça dos Campeões Europeus que, porventura, o PSG ainda não conseguirá vencer na final deste ano, se vier a confirmar-se o favoritismo do Bayern de Munique na final de Lisboa. Em Itália, parece-me que para CR7 a coisa está gasta, dois anos, dois scudettos, ponto final!

Claro que trocar a Juventus pelo Paris Saint-Germain pode parecer, à partida, meio descabido, porque o PSG pertence à mais fraca das cinco principais ligas europeias, e porque não conseguir ser campeão europeu pela Juve deixará sempre aquele sabor meio amargo mesmo a esta, ainda assim, fantástica experiência de CR7 pelo futebol italiano.

Mas vejamos a coisa por outro ângulo: depois de viver no espetacular futebol inglês, depois de sentir todo o calor e paixão de Madrid, depois de se ver envolvido pelo incomparável charme italiano, a Cristiano Ronaldo só falta mesmo o glamour da magnífica luz de Paris, onde curiosamente já se encontrou com a eternidade ao conseguir, lá, chegar ao memorável, e impensável, título de campeão europeu por Portugal!

Não precisa Cristiano Ronaldo da luz de Paris para se tornar - tendo, sobretudo, em conta os diferentes contextos - no mais marcante e bem sucedido futebolista da história, mas diria que Paris assentaria como uma luva à própria história notável que Cristiano Ronaldo já escreveu.

Para os que insistem em diminuí-lo junto de Messi - esse outro inigualável monstro como o craque português -, que acaba, porém, de bater no fundo como Ronaldo nunca bateu, recordo apenas um resumo (é mesmo um resumo) do sucesso de CR7 nos tais tão diferentes contextos - importantes no futebol como em qualquer outro domínio da vida -, quer no que diz respeito a treinadores, quer a clubes - sem contemplar, naturalmente, o brilhante percurso de Cristiano na Seleção portuguesa. Ora vejam: 

Com Boloni (Sporting, 2002-2003): 31 jogos, 5 golos e 3 assistências;

Com Ferguson (Man. United, 2003-2009): 292 jogos, 118 golos, 73 assistências e 9 troféus;

Com Pellegrini (Real Madrid, 2009-2010): 35 jogos, 33 golos e 13 assistências;

Com Mourinho (Real Madrid, 2010-2013): 164 jogos, 168 golos, 49 assistências e 3 troféus

Com Ancelotti (Real Madrid, 2013-2015): 101 jogos, 112 golos, 47 assistências e 4 troféus

Com Benitez (Real Madrid, 2015-2016): 24 jogos, 25 golos e 8 assistências

Com Zidane (Real Madrid, 2016-2018): 114 jogos, 112 golos, 30 assistências e 8 troféus

Com Allegri (Juventus, 2018-2019): 43 jogos, 28 golos, 11 assistências e 2 troféus

Com Sarri (Juventus, 2019-2020): 46 jogos, 37 golos, 9 assistências e 1 troféu.

Chega?!

PS: Grande final da Champions em perspetiva para este domingo, no Estádio da Luz, com a muito interessante nota de vermos como vai a melhor máquina do futebol europeu do momento, o Bayern, confrontar-se com a concentração de maior talento e criatividade por metro quadrado como tem o PSG em Neymar, Mbappé e Dí María. E o melhor é mesmo o futebol ser tão fabulosamente imprevisível!...