A propósito do Benfica Play
O Benfica apresentou uma nova plataforma digital de vídeo pensada exclusivamente para os seus fãs, onde promete, segundo Domingos Soares Oliveira, oferecer conteúdos exclusivos do clube, aos quais nenhum órgão de comunicação social terá acesso. Deu exemplos: vídeos do interior do balneário, ou de treinos à porta fechada e, por isso, interditos ao mundo exterior. Deixa, entretanto, um sinal de sentida comiseração para com o jornalismo: tudo o que até agora tem sido prática de mostrar à comunicação social, assim continuará, sem quaisquer limitações.
O Benfica junta, assim, uma plataforma digital vídeo a uma plataforma televisiva. Cuida de trabalhar uma comunicação institucional para um público específico, oferecendo-lhe conteúdos novos, aos quais mais ninguém terá acesso. Claro que pode (e deve) sempre existir a legítima suspeita da independência editorial de um projeto de comunicação de uma empresa privada e que terá sempre por objetivo acrescentar valor e informar o que é conveniente. Mas não creio que isso aflija, especialmente, uma maioria de adeptos.
Entretanto, a Federação Portuguesa de Futebol, que viverá uma saúde financeira ainda mais sólida daquela que é anunciada pelo Benfica, arrancou em força e poder de investimento, com o canal 11, um canal televisivo claramente concorrencial de todos os outros canais por cabo, também com óbvio interesses comerciais, a par de uma jura de amor eterno pela evolução e crescimento do futebol português, o qual, aliás, paga o generoso serviço de comunicação e de entretenimento oficial.
Em teoria, outros clubes e federações poderiam seguir estes exemplos e, depois, só faltaria o governo e os partidos de oposição criarem novas plataformas digitais próprias, com conteúdos exclusivos do conselho de ministros e das discussões internas das reuniões de cada partido, algumas das quais, de tão vivas e intensas, garantiriam, certamente, uma audiência interessada e que deixaria às moscas o tédio das burocráticas análises televisivas.
A ideia, dirão muitos, é moderna e irrecusável, do ponto de vista do futuro. Não é verdade. A ideia é velha e apenas a forma de a concretizar é nova, em função das novas tecnologias. Porém, é, agora, mais perigosa do que nunca.
Durante muitos anos, todos os grandes clubes tiveram os seus jornais próprios, onde faziam o que, na verdade, podem fazer em matéria de comunicação e informação: PROPAGANDA. Não é um mal em si, aliás, é e sempre foi legítima a oferta de uma informação institucional que acompanhasse o interesse privado e particular de clubes, de empresas ou de partidos.
Mas há, hoje, um perigo social que antes não existia. Com o crescimento das redes de comunicação privada e o advento das fake news, o cidadão com menos sentido crítico e menos preparado ficou totalmente indefeso, tornando-se, assim, um alvo fácil de uma comunicação manipulada e que dispensa valores éticos e deontológicos essenciais.
E o perigo torna-se trágico, quando num país, pequeno e de cidadãos pouco preparados, como Portugal, os media formais tentam descobrir o milagre da sobrevivência aproximando-se, eles próprios, da tentação do ruído, do voyeurismo editorial, da informação por confirmar e, last but not least, de um critério caótico pela procura de audiência.
Havemos de voltar ao tema. Não pela perspetiva de condenação das novas tendências da comunicação privada de clubes ou federações desportivas, mas pela necessidade urgente do jornalismo se reinventar. É o maior desafio do século XXI e seria bom que começasse a ser o maior desafio dos anos vinte que, agora, começam.