A primeira vez

OPINIÃO03.02.201903:00

1 Hoje não é apenas hoje. É também, por exemplo, 26 de Fevereiro de 1967. Tenho dez anos de idade e meses antes ingressara, com o orgulho que ainda permanece, no Colégio Militar. Ali no Largo da Luz. Fui pela primeira vez a Alvalade, ao bonito Estádio que combinava pista de atletismo com pista de ciclismo. Fui pela mão de meu Tio-Avô, e também encarregado de educação, o Almirante Roboredo e Silva, então Chefe de Estado Maior da Armada e o homem que fundou os Fuzileiros, um dos grandes corpos de elite das Forças Armadas de Portugal. As cartas enviadas à saudosa Senhora Minha Mãe - cartas que tentavam ultrapassar a saudade intensa e a distância imensa entre Lisboa e Viseu - certificam, numa caligrafia bem infantil, esse momento. Como outros momentos de uma infância e de uma adolescência que me marcaram e que nunca esquecerei. Vi jogos no velho Alvalade à chuva e ao sol, no peão e na superior, também na central e na tribuna presidencial. Vibrei em dérbis com amigos que o futebol não separa e senti com o meu querido e amado Filho que o desportivismo é a junção do eu e do tu em nós. Aprendemos na vida, tal como Vázquez Montalbán, que a única coisa que não parece negociável é a equipa de futebol por que se tifa - como dizem em italiano - desde a infância. Tirando, é certo, «alguns vira-casacas impenitentes que na realidade não gostam deste desporto»! Que os há! Mas nessa citada carta, e retratando esse longínquo dia de Fevereiro, lá está a descrição do almoço e da deslocação para o Estádio, o ambiente da tribuna, o resultado final - o empate a uma bola - e o realce que o golo do Benfica fora marcado por Eusébio, pelo saudoso Senhor Eusébio da Silva Ferreira. E com a nota que o Tio Almirante não ficara nada contente com o resultado final. E dava também nota, e recordava por ter escutado, que o Benfica iria a Coimbra - defrontar a forte Académica de Mário Wilson e com um atacante de luxo, Artur Jorge - daí a quinze dias. Hoje é também um dia de Fevereiro. Se bem que no arranque do mês. Passaram 52 anos e neles assisti no velho e no novo Estádio de Alvalade a muitos jogos, a muitos vibrantes dérbis. Sorri com vitórias, algumas delas deliciosas e outras deslumbrantes. Sofri com algumas derrotas, algumas delas dolorosas e outras inquietantes. E encolhi os ombros com certos empates, mesmo aqueles que souberam bem a pouco. E acreditem também recordei tudo isto, e bebi um pouco, ao reler um delicioso artigo de um grande escritor espanhol - nascido em Madrid - Javier Marías inserido num livro com o sugestivo título Selvagens e Sentimentais. Um livro de histórias do futebol e que termina assim: «Perder a camisa não importa, uma camisa não é nada comparada com a angústia e a certeza, e mais angústia e emoção». E, assim, hoje não é apenas hoje! São muitos hojes!

2 Hoje é, na realidade, mais um dérbi. Um Sporting-Benfica. Com a singularidade de na próxima quarta  feira haver uma repetição dessa vez  para a Taça de Portugal e para a primeira mão das suas meias finais. Mas aprendi, desde miúdo, que este era o dérbi do nosso futebol. Tal como em Itália é o Juventus-Milão, na Argentina o River-Boca, em Inglaterra um Liverpool-Manchester United, na Bélgica um Ajax- Feyenoord e em Espanha um Real Madrid-Barcelona. E cada jogo, cada dérbi deixa memória, a memória da alma. De uma alma que resiste a tudo e a todos os atos e fatos. Mesmo a falta de cortesia ou a esquecimentos fugazes que geram, sempre, e pouco tempo depois, a sérios arrependimentos! E sei bem do que falo e do que senti e sinto! Hoje será também o primeiro dérbi de cada um dos dois treinadores. Bruno Lage já sabe o que é um dérbi em outros escalões. Mas vai estrear-se e defrontar pela primeira vez o Sporting na convicta e firme liderança da principal equipa do Benfica. E sabe que ainda terá mais dois confrontos com a equipa leonina nesta época desportiva. Sem angústias mas sabendo que cada dérbi suscita uma emoção acrescida e tem de ter uma renovada e diferenciada motivação. E neste dérbi, como sempre, mas hoje mais ainda, a vitória é tudo e a derrota é nada. Por isso hoje, como nos ensina Marías, tem de haver uma «mistura» de «malandrice» com «temeridade». O Benfica não pode perder o ânimo e tem de o reforçar ainda mais para o confronto da próxima quarta feira, no Estádio da Luz. Terão que ser duas conquistas, duas vitórias. Respeitando o adversário mas tudo fazendo para ganhar com clareza e sem discussão. Mesmo, mas mesmo, para além do VAR e das suas circunstâncias! Mostrando, afinal, como há cinquenta e dois anos que o futebol é, mesmo, a recuperação semanal da infância!

3 Permitam-me três notas bem diferentes. Ontem em Camp Nou, e para além do Barcelona-Valência, foi exibido um cartaz em que se lia que «a auto determinação é um direito e não um crime»! O que significa que a imensa visibilidade de um jogo de futebol é, sempre, um palco e um espaço para reivindicações que, no caso, exigem muita cautela por parte das autoridades desportivas - e não só… - de Espanha. A segunda nota para dar nota que cada trinta segundos no intervalo da fantástica Super Bowl de hoje - a grande final do futebol americano -vale (custa a cada anunciante!) 4,5 milhões de euros. Valor superior a muitos orçamentos anuais de SAD que participam na única competição profissional em Portugal. A terceira nota para recordar que há poucas semanas dei aqui nota da compra de um livro acerca do Football Leaks. Não sabia, pelo que leio, que contribui com um euro para o John. O John é o Football Leaks. O John é português, está preso na Hungria e chama-se Rui Pinto. Mas se lerem todo o livro - todo mesmo! -ficarão, acreditem, claramente perplexos, com muitas interrogações e outras necessárias interpelações. Como fiquei com a sua afirmação de que não terá «um julgamento justo em Portugal»!  Também aqui parece que não está só… Mas também nesta sede hoje não é apenas hoje!