A pax benfiquista

OPINIÃO24.08.201804:02

NÃO foi um comum adepto, não foi um dirigente mais destemperado, não foi sequer um incendiário comentador televisivo, foi o Benfica, através dos seus canais oficiais, a gritar «prendam-nos». Parece que o Benfica não gostou da vitória do FC Porto no Estádio Nacional e, como no campo está difícil, resolveu pedir ajuda.

O Benfica não especifica quem quer ver encarcerado, mas depois de ter ouvido o novo clone do Pedro Guerra, o sr. Varandas, discursar sobre a tentativa de assassinato levada a cabo pelo Brahimi, mas é provável que a comunicação feita depois do Belenenses-FC Porto incluía o argelino mágico. A tal frase está, porém, no plural. 

Percebo o Benfica. Não chega prender só um jogador, é preciso levar mais uns quantos. Provavelmente também o treinador, o preparador físico, o médico, o massagista e, já agora, uns milhares de adeptos. Também devem estar incluídos os dirigentes portistas. Neste caso o pedido está um bocadinho atrasado. É que no caso do nosso Presidente já vão vinte e tal campeonatos e cinco taças europeias (dou de barato os outros títulos).

Não esquecer alguns árbitros, bem entendido. Todos os que não perceberem que as faltas cometidas pelos jogadores que estejam a jogar contra o FC Porto não devem ser marcadas e que, por definição, todos os profissionais do brasão abençoado são tipos violentos que se não fizeram alguma falta pensaram em fazê-la, logo devem ser punidos, são juízes que não têm qualidades para apitar ou têm medo dos terríveis adeptos portistas. Ou seja, quem não tiver sido devidamente ordenado, quem não celebrar umas missas rubras não tem condições para arbitrar e deve ser dirigido ao Aljube ou outro estabelecimento do género daquele que acolheu Paulo Gonçalves. Claro que neste caso não existirão muitas detenções.

Se calhar estou a ser injusto. É possível que aquele tweet seja o anúncio de uma colaboração entre as autoridades e o Benfica, uma coisa virada para dentro.  Os processos que os da Luz têm a correr contra si na Justiça são tantos que não é impensável que haja gente no clube que pense «que enquanto não os prenderem isto vai continuar a palhaçada de sempre». Realmente, é fácil imaginar uns Gonçalves desta vida com uns narizes vermelhos. Mas, calma, ainda não há ninguém acusado, é cedo para exigir prisão para quem quer que seja. 

Aliás, é até verosímil que o apelo oficial do Benfica tivesse como objetivo arranjar companhia para aquele sujeito que está em prisão preventiva suspeito de agir sob ordens de dirigentes do Benfica para praticar crimes.

Muitos de nós não percebem, mas a verdade desportiva só está assegurada quando o Benfica ganha. Não interessa como ganha, o que é preciso é a pax benfiquista ou, como diria Luís Filipe Vieira, a «pacificação do futebol português». Deve ser aliás por isso que aparece tanta gente indignada quando um qualquer dirigente ou funcionário portista tem uma frase mais enervada. «Uiiii, a indústria», «uiiii que estão a destruir o futebol», «uiiii o clima insuportável de guerra», é uma megastore Zara de vestes rasgadas. Já quando a instituição Benfica fala de mandar prender gente e tem comportamentos terroristas não se passa nada. É uma autêntica sinfonia de assobios para o ar. Alguém surpreendido? Eu não.

O PDF não faz folgas nem guarda dias santos. O novo passo consiste em levar jogos da Liga espanhola para os Estados Unidos.

Vai-se vender um jogo de futebol como se fosse um enlatado televisivo ou um qualquer outro espetáculo. Tira-se o clube aos seus adeptos, aqueles que vão ao estádio, os que são a alma e o corpo do clube, e faz-se jogar os clubes num qualquer campo do estado do Utah. Desliga-se o clube da comunidade que lhe deu os seus traços distintivos, que lhe conferiu o caráter. Cospe-se no passado, nos homens que o moldaram e  nos sacrifícios de tantos.

Vende-se tudo isto a um qualquer génio do marketing que tratará de transformar tudo isto em participações num FootBall Fund que poderá vender a brand de um clube a alguém que por sua vez o passará para outra cidade qualquer.

É o «futuro». Apenas mais um circo em que já não há adeptos mas fans, em que não importa quem se apoia ou deixa de apoiar, onde se vai com uns chapeuzinhos na cabeça e se faz umas danças para aparecer na televisão.

O que mais me incomoda neste processo - que visa tirar-nos parte da nossa identidade - é a forma como toda a gente que ama o futebol, que sabe o que ele significa para cada um de nós, está a olhar para toda esta perversidade. Vejo os principais clubes sem reação, os dirigentes associativos a encolher os ombros, colunistas e jornalistas mudos e os adeptos sem capacidade de se organizar para combater algo que ameaça seriamente tirar a própria condição de adepto.

Mas há uma batalha que está a ser travada na Espanha e que é protagonizada pelos jogadores. Sim, são os jogadores que estão a combater algo que nos devia ter como protagonistas. São os jogadores que se revoltaram e não querem ir fazer jogos longe dos seus adeptos, que não querem passar a ser apenas mais um bem consumível e percebem, sobretudo, que eles só são o que são por nossa causa, pela nossa paixão.

As vitórias e as derrotas dos nossos clubes são circunstanciais, não é delas que é feito o nosso amor. Mas as derrotas que se consubstanciam em alargamento da Liga dos Campeões em função dos mercados e não dos resultados desportivos  - que, claro, depois condicionam esses mesmos resultados -, mais e mais dinheiro para os clubes que já são ricos, clubes empresas, as tentativas mais ou menos descaradas de dizimar as ligas nacionais, a dependência da televisão e os horários feitos em função de países sem ligação aos clubes põem em causa todo o futebol como o conhecemos. Nessa altura já não valerá a pena falar de FC Porto, Benfica ou Sporting .

Futebol para robôs?

RESUMINDO: aqueles dois penáltis no jogo do FC Porto, do fim de semana passado, são um atentado ao bom senso. Pensar que um jogador pode correr ou saltar com os braços sempre muito alinhadinhos junto ao corpo é de um ridículo sem par.

O futebol é um jogo para humanos e o que distingue os humanos das outras espécies é a vontade. Marcar penáltis por volumetria é algo de inimaginável. Achar que um rapaz tem alguma possibilidade de fazer o que quer que seja quando uma bola é rematada à queima-roupa é uma anedota sem graça.

Ouvi falar muito de uniformidade de critérios por causa dos dois penáltis. Não pode haver critério baseado num disparate.