A nadar contra a corrente

OPINIÃO09.05.202004:00

CLÁUDIA SANTOS, 49 anos, é licenciada em direito e doutorada em ciências jurídico-criminais pela Universidade de Coimbra. Foi eleita deputada pelo Partido Socialista e escolhida pelo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, para substituir, no próximo mandato federativo, o dr. José Manuel Meirim no cargo de presidente do Conselho de Disciplina.


Sendo deputada, no pleno exercício de funções, foi pedido, à semelhança do que sucede com muitos outros deputados, que não estão em exclusividade na Assembleia da República, um parecer à comissão de transparência e estatuto do deputado, que se pronunciasse sobre a compatibilidade do exercício do cargo de deputada com o de presidente do Conselho de Disciplina da FPF. O parecer foi claro e tem o suporte técnico de uma legalidade indiscutível. Daí que a generalidade dos partidos com assento na AR, apenas com a exceção do PAN, tivessem aprovado o exercício cumulativo dos cargos.


Surgiu, entretanto, um desafinado coro de vozes a insurgirem-se com a escolha. Argumentos diferentes. De um lado, representantes desportivos, em especial de um clube, que vieram pôr em causa a isenção clubística da senhora, por, supostamente, ser afeta ao Benfica; por outro, uma longa lista de arautos da moralidade pública, que condenam o que consideram ser uma «inaceitável promiscuidade entre a política e o futebol».


Voltamos assim ao patamar de incoerência em que já antes se tinha instalado, com armas e bagagens, o conservador Conselho Superior de Magistratura, que mandou todos os magistrados para longe de um perímetro sanitário em redor do futebol, ao que explicou, porque «o ambiente conturbado e de suspeição permanente do futebol, poderá pôr em causa o prestígio da função judicial».


Lamento, mas, às vezes, eu gosto mesmo de nadar contra a corrente, contra a maioria da opinião publicada, contra a verdade universal de comentadores que nunca erram e raramente se enganam.


Em primeiro lugar, a questão legal. Houve um respeito escrupuloso das várias entidades, que garantem uma total transparência no processo. Depois, a questão moral: a escolha assumida pelo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, tal como ele próprio justifica, assenta em três critérios: «Competência, percurso profissional, inexistência de incompatibilidades legais.»


Cobertos, assim, todos os pressupostos, surgem, apenas, razões de preconceito e, essas, sendo, por regra, devidamente atendidas numa sociedade provinciana e complicativa, como a nossa, não me merecem qualquer mérito.


Eu defendo sempre que o futebol não é um setor forte e moderno, que prestigia o país quando ganha à França na final do Campeonato da Europa, ou quando paga centenas de milhões de euros em impostos e um género de pavilhão de infetocontagiosos, do qual ninguém se deve aproximar, quando dá exemplos de contaminação social, nomeadamente em matéria de corrupção.

O futebol é uno e indivisível, aliás, um espelho perfeito da realidade social. Ora, quanto à ideia de «ambiente conturbado e de suspeição permanente», de que fala o douto Conselho Superior de Magistratura, talvez fosse altura do CSM olhar para dentro e procurar melhor onde encontra o prestígio da função, entre tantos e tão lamentáveis casos que contaminam a honorabilidade do sistema judicial. E quanto à «promiscuidade entre política e futebol», dita por alguns políticos que sempre tentaram confundir-se com o sucesso do futebol, será, no mínimo, imoral.