À moda do Porto
Se fosse o Benfica a estar envolvido numa trapalhada como esta (vendas de Fábio Vieira e Vitinha) a gritaria seria imensa mas como se trata do FC Porto não se liga
CONTAS à moda do Porto julgo querer dizer que cada um paga a sua parte de uma despesa conjunta e no fim ninguém fica a dever nada a ninguém. Ou seja, cada um paga o que deve pagar, em obediência à honradez que se exige em qualquer negócio, seja ele de que natureza for.
Antes seria assim, mas os tempos mudam e os hábitos também. Não quer dizer que entre o deve e o haver não possa existir uma coabitação saudável, embora às vezes de duvidosa clareza, em função de complexidades contabilísticas difíceis de entender no mundo do futebol.
Por razões que me escapam, a linha reta nem sempre é a distância mais curta entre dois pontos, o de partida, quando se avança para a aquisição/venda de um jogador, e o de chegada, em que, confirmada a mudança, se explicam as contas que permitiram concretizá-la, emergindo muitas vezes a ideia de, contrariamente ao espírito das contas à moda do Porto, ficar sempre alguém a dever alguma coisa a alguém, numa espécie de conta-corrente que se eterniza de acordo com as conveniências das partes envolvidas.
JORGE MENDES costuma cobrar dez por cento nas operações de compra e venda por ele intermediadas. É o que leio e ouço, jamais desmentido. Uma irrelevância, certamente, pois se é melhor do que outros também é natural que os seus serviços custem mais dinheiro a quem a eles recorre. Todos nos recordamos, por exemplo, de o anterior presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, em diversas ocasiões, o ter considerado parceiro privilegiado e não simples agente escolhido para agilizar na solução de problema mais espinhoso. Por isso lhe chamam superagente, e não consta que essa designação de excelência o incomode.
O que o deve ter incomodado, e penso que também aos administradores portistas que deram cobertura ao acordo, foi a notícia de A BOLA, publicada na edição de anteontem, com assinatura do jornalista Pedro Manuel Couto, e que dá conta dos 13,5 milhões de euros que o FC Porto terá de pagar-lhe pela sua intervenção nas vendas de Vitinha para o PSG e de Fábio Vieira para o Arsenal, se estas se confirmarem
Uma situação no mínimo estranha, apenas explicável, do meu ponto de vista, por nem Pinto da Costa, na qualidade de presidente, nem Fernando Gomes, como responsável pela área financeira, pelos menos estes, terem atribuído o devido valor aos jogadores em questão ou, então, como diz o povo, sentirem a corda na garganta e aceitaram vender depressa e a preço simpático como forma de chamarem clientes com o necessário poder de compra.
Além dos dez por cento da ordem, a SAD portista, partindo do princípio que os jogadores não valeriam mais, presumo, aceitou dividir receitas acima dos 30 milhões de euros, razão pela qual o empresário vai receber mais cinco milhões com Vitinha e mais 2,5 milhões com Fábio Vieira. Acrescentando os seis milhões referentes à percentagem base, mesmo assim não se pode dizer que Jorge Mendes tenha feito um negócio da China, em que se compra barato na ganância de lucro gordo e fácil. Aqui, foi mais um negócio à moda do Porto muito bem cozinhado para dar a ideia de ninguém ficar a dever nada a ninguém, de parecer absolutamente verdadeiro, porque o segredo do sucesso do negócio é mesmo esse, parecer que tudo se processou com inatacável transparência.
Voz bem informada fez o favor de me transmitir que, embora não sendo prática corrente, este esquema de distribuição de benfeitorias é conhecido e utilizado, mas só pode sê-lo se houver uma relação de boa vizinhança entre os agentes intermediários no negócio e os presidentes convidados a fecharem os olhos ao esquema, porque de um esquema se trata no sentido de flexibilizar o circuito de distribuição do dinheiro.
SE um mesmo agente, intervindo em dois processos de transferências de idêntico peso financeiro, recebe comissões diferentes e se num deles se cumpriu o que estava previamente estabelecido em termos de percentagens, então, no outro, em que recebe retribuição mais generosa, alguém em nome do clube representado autorizou que assim fosse. Com que intenção só Deus sabe…
Não sei se é o caso, mas sei que se fosse o nome do Benfica a estar envolvido numa trapalhada como esta a gritaria seria imensa, as televisões e as rádios não teriam mãos a medir e os jornais preencheriam as primeiras páginas com títulos à medida da grandeza do clube da águia. Como se trata do nome do FC Porto, não se liga.
Em rigor, apenas A BOLA deu destaque a um assunto que intriga os bons adeptos, os quais veem os seus clubes libertarem-se das suas estrelas mais reluzentes por números interessantes e vaidosamente anunciados, colocando Portugal em posição de referência enquanto país vendedor de talentos, como a história demonstra, sem lhes ser explicado, no entanto, qual o destino que é dado a esse dinheiro, um mistério de hoje e de sempre. Até um dia…