A minha conversa com Sepúlveda
Ele andava longe e a entrevista foi então, há uns quatro anos, como teria sido agora: à distância. Quando lhe disse que era de A BOLA pensei que ele me responderia o que escreveu em Diario de um killer sentimental, quando o protagonista sente vontade de assassinar o taxista que o aborrece de morte com uma conversa de futebol. Mas ele deu-me a conversa, porém prevenindo-me: «Detesto o imbecil que tem um euro no bolso e se enche de vaidade quando um futebolista compatriota, que ganha milhões, marca um golito. Enojam-me os orgulhos patrióticos do futebol».
É difícil entrevistar alguém assim para um desportivo. Perguntei-lhe pelo Chile, que ganhara meses antes uma Copa América e ele: «Não festejei. Sou do Magallanes, o único clube chileno sem adeptos violentos.» Aproveitei a deixa do Magallanes e contei-lhe, julgando que ele não soubesse, que há em Lisboa, na Praça do Chile, uma estátua de Fernão de Magalhães, oferecida pelo país sul-americano em homenagem a quem circum-navegou o Globo e passou por aquele estreito, no Chile, que ganhou o nome dele. «Há uma igual em Punta Arenas, virada ao estreito. Conheço essa de Lisboa. Os chilenos e os portugueses têm parecença que me agrada: falam baixo, mas fazem.»
Ainda lhe perguntei por Fernando Riera, o compatriota que treinara Belenenses, FC Porto, Sporting e Benfica e até levou as águias a final da Taça dos Campeões. «Não conheço», despachou-me. Passámos à política, em tons de vermelho, o que preferiu.
Agora que morreu, recordo o documentário de Sylvie Deleule sobre Sepúlveda, no qual ela lhe chama «o escritor do fim do mundo», aludindo à remota Patagónia. Nesta espécie de fim do mundo, que pena para todos, lá se foi, porém ficando.