A metros de mim

OPINIÃO14.11.202003:00

Incomoda-me que alguém se desviar de mim no passeio. Mesmo eu de máscara, não vá o diabo tecê-las. Eu já fiz o mesmo sem reparar, porque sim. Bom era quando nos ignorávamos. É tudo muito mais cansativo, agora. Um exercício, mesmo físico, afinal, desde logo o respirar, abafado, mas também a manutenção da distância física de dois metros - e distância física, sim, não distância social, pelo menos a minha, pois ainda a meço em comprimento e não em cumprimento, esse que cuido dar, e aprecio. A distância física, escrevia, os dois metros que me levam a passinho à frente ou atrás na fila, a acelerar para ultrapassar a vizinha mais rapidamente do que fazia antes, não vá eu espirrar e ver uma alergia a pólenes resultar em gotículas assassinas. Sei lá. Estou a dois metros ou a metro e meio? Calculo. Faço esquivas ao vizinho que vem na bisga, ele próprio a correr, talvez vá para o parque ver os patos, talvez fuja de algo. De patos assassinos. O corriqueiro é agora uma alta intensidade. Tocar ou não tocar nas coisas e nas pessoas: um novo desporto também. Quem tocar, perde.

O cansaço mental, não o esqueçamos. É esse que nos fatiga mais. O desânimo acima do ácido láctico na prateleira das maleitas.  Às vezes há um desânimo bom, ou havia, uma nostalgia, aquele sentimento que Shakespeare sintetizou para que o resto da humanidade não perdesse tempo na ânsia de frase melhor, «Que bom que é estar triste e não dizer coisa nenhuma», em todo o caso não é a esse que me refiro. É, antes, à dúvida sobre a duração da tristeza. Quando passa? Passa? Todas as corridas se tornam mais fáceis no fim, pois no horizonte da meta reativam-se músculos e vontades, nesta não. Nisto de se desviarem de mim no passeio, já nem sei se vou na mesma corrida que os outros. A correr contra mim, ganho e perco. A distância que me custa sou eu a sentir-me diferente. Não é física, nem social, é distância pessoal. Estou a dois metros de mim.