A melhor de todas as decisões de Frederico Varandas
As coisas mais importantes em primeiro lugar: a decisão da Direção do Sporting sobre as claques pode ser histórica. Miguel Sousa Tavares, que no seu alinhamento portista é insuspeito, escreveu-o ontem aqui. Muito bem! Assim se vê como duas pessoas de fações clubísticas diferentes podem e devem estar de acordo no essencial. Muitos outros comentadores elogiaram esta atitude. Desde os mais ligados ao desporto, como até alguns mais ligados à política, como foi o caso de José Miguel Júdice.
E esta decisão pode ser histórica porque retoma o caminho do que é primordial no desporto. Chama-se, exatamente, desportivismo ou, se quiserem nas palavras que hoje globalmente se utilizam, fair-play. Sim, gostamos de ganhar, mas temos de saber perder. Acima de tudo, em qualquer dos casos, a violência é algo de intrinsecamente estranho à ideia de desporto. Basta recordarmos que, até na antiguidade clássica, os Jogos Olímpicos correspondiam sempre a uma trégua em qualquer guerra que estivesse em curso.
Por isso, sim. Desta vez, parabéns ao presidente Frederico Varandas e à Direção. Apenas um lamento para aqueles que dentro do Sporting, por vontade de conquistar uns muito incertos votos futuros fazem apelos à unidade, como se a unidade se fizesse com tais grupos que, já na semana passada, antes de conhecer a decisão do Sporting, caracterizei como alcateias atrás de um macho-alfa, usando símbolos entre o nazi e o ultranacionalista. Unidade com esses, que prejudicam não só a imagem como financeiramente o clube, que não se eximiram de agredir atletas e outros sócios ou de apedrejar os dirigentes? Valha-me Deus! Prefiro a unidade com gente civilizada, mesmo que não seja do Sporting.
Entendo que há uma grande dose de irracionalidade em todo e qualquer clubismo, incluindo no meu, e que esse aspeto até pode ser saudável. Mas, como para tudo, há limites. E os limites há anos que andavam a ser ultrapassados.
Das AGs ao Estádio
Todos sabem, embora alguns não queiram admitir porque pretendem aproveitar-se dessa gente num futuro que imagina próximo, que alguns destes GOA (Grupos Organizados de Adeptos) se tornaram em guardas pretorianas de certos presidentes e candidatos a presidentes. Digo isto com todo o conhecimento de causa da História. No declínio do Império Romano era a guarda pretoriana do Imperador que decidia os sucessores.
Essa guarda pretoriana sobrepunha-se a qualquer processo democrático pela força e intimidação. Qual o sócio que foi a uma AG do Sporting (e presumo que noutros clubes seja semelhante) e não viu a constante intimidação que alguns destes elementos provocavam, não deixando falar alguns, ameaçando outros. Não está em causa a liberdade de opinião; o que está em causa é, justamente, o desportivismo de saber ouvir opiniões diferentes. Eu senti-me intimidado em várias AGs, assim como em algumas ocasiões no Estádio. As calúnias são constantes (a última é mais idiota é que Marta Soares me tinha dado o número de um sócio falecido para eu parecer mais antigo do que sou no clube, quando tenho este número desde a renumeração feita durante a direção de Bruno de Carvalho).
Esta cobardia e mesquinhez tinham de acabar. Têm de acabar! E todos os sportinguistas, independentemente do que pensam sobre a gestão de Varandas - e podem pensar o pior - têm como imediato dever colocar-se a seu lado nesta peleja decisiva. Não pode haver hesitações.
Outros, acham que os GOA são importantes para puxar pelas equipas durante os jogos. Não é o exemplo de Inglaterra, por exemplo, quando acabou com as claques e os hooligans. Se não cantamos e gritamos mais no estádio é porque os GOA se sobrepõem a quaisquer gritos, incentivos ou cânticos que possam existir. Alguns deles têm-se por mais adeptos do que os sócios comuns que pagam Gamebox e quotas. É com base nessa indispensabilidade que desencadeiam uma chantagem enorme sobre as Direções que não lhes são favoráveis. Esses, que quase querem matar quem ouse dizer que a maioria do capital da SAD pode ser vendida, tinham, até agora, a maioria do capital da do clube. Inúmeras cedências lhes foram feitas e, em troca, é o que temos visto.
Uma questão política
OGoverno e, nomeadamente, o ministro da Educação que tutela o Desporto através de João Paulo Rebelo, o secretário de Estado, não podem, igualmente, ficar passivos a olhar o que se passa. Este não é um problema do Sporting. É um problema que o Sporting começou a resolver antes dos outros, mas é um problema de todos os grandes, médios e até pequenos clubes.
As claques, algumas delas, transformaram-se em centros de delinquência. Das áreas de serviço destruídas - mais especialidade de claques do FC Porto - ao próprio assassínio a sangue frio de adeptos rivais (recordemos o adepto do Sporting atropelado por membros de uma daquelas claques que «não existem» no Benfica e cujo julgamento é sempre adiado) - tudo se permite, tudo se deixa andar sem uma intervenção firme (e não falo em palavras) das autoridades.
Olhem para o que se passa: acham normais haver adeptos em gaiolas? Ninguém acha, e vamos ter de caminhar no sentido de não serem necessárias. Acham normal os adeptos atravessarem a Segunda Circular escoltados pela polícia como se fossem um exército de furiosos prontos a maltratarem quem não for do gangue e com eles se cruze? Não acham, com certeza, e temos todos de trabalhar para acabar com isto. Os clubes e o país gastam demasiado dinheiro com desordeiros; todos nós gastamos demasiada energia com pessoas que não merecem as atenções que têm.
O futebol é um espetáculo maravilhoso. Basta olhar o que se passa em estádios onde nem separação há entre adeptos e jogadores para perceber que é possível ser ordeiro. Em muitos países estes problemas foram bem mais graves, mas estão resolvidos, ou quase. É altura de por cá começar-se a resolvê-los a sério. Num esforço conjunto dos clubes e das autoridades. Mas também da Federação e da Liga que poderia ser cem ou mil vezes mais dura com os comportamentos antidesportivos.
Desculpem, mas por péssima que tenha sido a derrota com o Alverca - e foi! - por muito mal que joguemos - e estamos a jogar! - por muitos erros que a Direção cometa - e comete! - como dizem os ingleses «First things first». Tratemos primeiro do essencial. Aproveitar esta situação para pensar em destituições, eleições, substituições na direção é totalmente errado, além de parecer demasiado oportunista.