A luta e a velha vitória da Inglaterra

OPINIÃO28.04.201904:00

Maicón

Uns amigos do Brasil contaram-me que há uma enorme quantidade de pessoas no país chamadas Maicón, que surgiram em grande número há cerca de duas décadas. Primeiro pensei que tal nome se poderia referir a um qualquer atleta, mas não. É uma referência de muitas famílias brasileiras, nos anos oitenta, a Michael Jackson, um dos músicos centrais da altura (que, por estes tempos, tem sido falado por razões bem mais terríveis).
Michael, com a acentuação brasileira, ficou então: Maicón. No Brasil, na geração com vinte, trinta anos, há então centenas de Maicón Jequison, assim mesmo, letra por letra.

Futebola

Podemos pensar que os portugueses estarão bem distantes disto, desta liberdade, digamos assim, de grafia do Brasil, mas é evidente que não.
Muitas palavras usadas no desporto, por exemplo, são aportuguesamentos rápidos de um ouvido que escutou palavras em inglês e as passou directamente para português, numa tradução rápida que assume que a nossa língua, e a forma de lermos, é o centro do mundo. Ou talvez o contrário: a língua inglesa como referência dominadora.

Football que em inglês tem um evidente sentido quase anatómico-explicativo, o pé na bola, ou a bola no cesto do basketball, passam para os nossos termos futebol ou basquetebol: exactamente o mesmo som, mas uma grafia novíssima. E assim se introduz mais uma palavra na nossa língua que, quando analisada e partida nas suas sílabas, não parece ter muito sentido. Fute nada significa, fute? E bol também não. 
Futebola, assim com A no fim, já ganharia qualquer coisa da velha língua com muitos séculos, mas é evidente que a força das palavras não se rende a uma qualquer lógica teórica e da antiguidade da língua e, em competição com outros nomes que foram aparecendo para a modalidade, como pé-na-bola, etc., a palavra futebol ganhou facilmente.

Podíamos continuar com muitos outros exemplos, como o shoot, tiro, to shoot/atirar em inglês que passa, nos primeiros livros de futebol para xute, depois chute e, só a seguir, chuto — palavra que rapidamente entrou para outros campos, bem mais duros, como o da droga; ou goal (objectivo em inglês) que passa em puro som para golo; e penalty, castigo por infracção em inglês, que passa para o nosso penálti (palavra que depois é transportada para os bares onde ganha um sentido de se beber um copo de uma vez, de forma decisiva).  Enfim, uma lista enorme. 

Outras passagens entre línguas não são tão evidentes, mas aí estão. Por exemplo, a nossa portuguesa palavra craque virá também, segundo várias fontes, do inglês crack, quebrar/rachar/estalar, que teria tido origem nesse som de algo que quebra, cream cracker — «biscoito que se parte enquanto se come». O craque será assim aquilo que quebra em dois, em três, ou em mais partes, um jogo. É aquele que alvoraça o jogo, aquele que suspende o aborrecimento e a previsibilidade: rompe o jogo, parte o adversário com jogadas decisivas.
Em síntese: mesmo quando a Inglaterra não ganha em campo, já há muitas décadas ganhou no vocabulário.

Quando termina 
um jogo ou uma batalha?

Umas das coisas impressionantes no desporto são as reviravoltas de resultado. Há as recentes e as míticas, como a recuperação de Portugal contra a Coreia no mundial de 1966.
Deixem-me, num outro contexto, contar uma história breve (lembrada por Gideon Haigh) em que, por curiosidade, e para equilibrar, a Inglaterra não sai vitoriosa. 
Durante a luta pela independência americana, num combate com o barco inglês Serapis, ao Almirante americano John Paul Jones (1747-1792), foi-lhe perguntado se ele se rendia. Diz a história que a sua resposta foi: I have not yet begun to fight.
Que bela resposta. Uma resposta exemplar.

O Almirante americano John Paul Jones «acabou por sair vitorioso».
Há respostas que podem ser referências para lutas desportivas, sociais ou políticas.
— Rendes-te?
— Meu caro, eu ainda nem comecei a lutar.